Dawton 21/08/2020
A Capitu "domiciana"
[RESENHA PUBLICADA EM @serlinguagem NO INSTAGRAM]
Mais de dois anos atrás, compartilhei com vocês a experiência de leitura do livro "Capitu conta Capitu", da cearense Adísia Sá. Para dar voz a uma das personagens mais marcantes da Literatura Brasileira, Adísia recorreu à ideia de que, depois da morte de Capitu, Bentinho encontrara em seus pertences um diário que ela alimentou durante quase toda a vida e o enviara a Sancha, sua amiga de infância. Nele, Capitolina deixou registrado seu olhar da história machadiana que é narrada pela visão já sabidamente não confiável de Bentinho / Dr. Santiago / D. Casmurro. A Capitu de Adísia é lasciva, sensual e faz mesmo jus a parte da malícia que lhe atribui Bentinho em Dom Casmurro. A linguagem empregada por Adísia flerta com o modernismo e é direta, ferina, própria do tempo e dos propósitos da escritora.
Domício Proença Filho recorreu a outra solução para sugerir o que Capitu poderia dizer em sua defesa, diante do que nos contou D. Casmurro. Em "Capitu: memórias póstumas", Capitolina, depois de muito tempo no além-vida, aprende com Brás Cubas "as artes da narrativa além-tumular", uma vez que, no lugar em que está, todos têm "de assumir uma missão. A mim me foi dado trabalhar na direção da afirmação do discurso da mulher". Com esse mote, Proença Filho brinca com a intertextualidade ao deixar o leitor saber que Capitu está onde também estão Brás Cubas, Quincas Borba e Conselheiro Aires, personagens machadianas, além de Seixas e Aurélia Camargo, personagens de José de Alencar.
Capitu, assim, vai revisando o texto de Machado de Assis, dando sua visão do que foi narrado por Bentinho e completando lacunas que nem mesmo o romance original preencheu. E, nesse sentido, Domício nos entrega Capitu como uma mulher romântica (do Romantismo mesmo), própria de seu tempo e determinada a apontar a enfermidade do ex-marido, que envelheceu enrijecendo seu machismo e sua possessividade. A Capitu "domiciana" quebra a 4ª parede, usa de ironia, tem uma linguagem bem próxima do século 19, dialoga diretamente com o original machadiano e não poupa relações com as histórias de seus amigos Brás, Quincas e Conselheiro.
E dá uma resposta à velha pergunta...
site: https://instagram.com/serlinguagem