raposisses 18/01/2016
Humano vs Lobisomem; Violência vs Filosofia
Li esse livro por recomendações de amigas - mas agora que vem o porém: recomendações não sobre O Último Lobisomem, mas sim sua continuação, A Ascensão de Tallula. Portanto, cheguei nesse livro sem muitas expectativas, querendo só passar por ele rápido para chegar no segundo livro. Mas mesmo assim, não pude deixar de me apaixonar por esse mundo de lobisomens, e pela escrita de de Glen Duncan.
O estilo de escrita desse autor é bastante interessante: ele tem um estilo eloquente e desenvolto, mas que ao mesmo tempo insere diversas gírias na narrativa, vários palavrões, e descrições secas e vulgares de morte, sexo, e decadência.
Essa mistura de estilos reflete justamente o grande tema do livro, que é a justaposição entre ser humano e animal. Jake, nosso protagonista, é um homem intelectual com grande conhecimento de cultura e filosofia. Durante seu diálogo interno, discorre sobre moralidade, religião, e o sentido da vida (ou falta dele); porém, a selvageria do lobo está sempre presente, fervendo logo abaixo da superfície, esperando por qualquer tropeço do Jake humano para aparecer. As cenas de Lua Cheia são as minhas favoritas do livro, pois são onde essa dicotomia humano versus animal é potencializada de uma forma inesperada: o lobo não é menos racional que o humano; ao contrário, Jake afirma que, transformado, seus pensamentos se tornam mais claros. Não é a capacidade de raciocínio que muda, mas sim suas prioridades. Ao invés de agonizar sobre questões de moralidade, o lobo foca-se apenas em seus instintos de caça por comida e sexo. Como lobo, Jake abandona sua depressão e vontade de morrer. Sua relação com a natureza e a vida no presente são as únicas coisas que se tornam importantes.
Quanto ao enredo, O Último Lobisomem dá várias pisadas em falso – momentos em que você pensa “ah, agora o verdadeiro enredo/mistério vai começar” mas que acabam não dando em nada – até a aparição de Talulla na metade do livro. É claro, isso faz sentido tematicamente: Jake quer morrer, não tem mais interesse pela vida, logo qualquer engajamento com “mistérios” ou “missões” não dará certo. O engajamento com o mundo real, ou seja, a história só "começará a andar”, quando Jake decide viver.
Como personagem, preciso admitir que Jake chegou a me irritar durante certas partes do livro. A aparição de Talulla é realmente o ponto alto do livro; não apenas Jake passa a ser um objeto ativo em sua própria história, como também a própria personalidade de Tallula deixa o livro mais animado. O fato de que Jake a considera uma lobo melhor que ele, apesar do pouco tempo em que foi transformada, já diz muita coisa.
No geral, O Último Lobisomem é uma leitura intrigante e divertida, que trata o mito do lobisomem de forma bastante interessante. Enquanto Jake se mostra um personagem indispensável e necessário à narrativa – essa história não poderia ser contada por nenhum outro protagonista -, essa é uma das únicas vezes em que eu, que sempre dou mais atenção aos personagens do que ao resto da história, me apaixonei mais pelo mundo criado no livro do que pelo protagonista. Porém a falta de animação com Jake é recompensada por personagens secundários ótimos, liderados por Talulla. Já posso entender porque minhas amigas amam tanto a continuação da série, justamente onde Talulla se torna a protagonista.
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