Ghuyer 19/01/2022
Um Gaiman Menor
Somente quem já leu Neil Gaiman consegue entender como e por que a prosa deste peculiar ser humano é algo especial que merece ser guardado com muito carinho para as gerações futuras. Gaiman foi o primeiro autor que eu enxerguei como “meu escritor favorito”, e terei para sempre um carinho indescritível por algumas de suas obras, como “O Livro do Cemitério” e “O Oceano no Fim do Caminho”. Dito isso, por alguma aleatoriedade da vida fazia anos que eu não lia nada dele, e resolvi quebrar o regime com “Os Filhos de Anansi”, ainda no final de 2021. A narrativa é graciosa, divertida, leve, criativa e com toda a cara do Neil Gaiman, incluindo o ar de contos de fada em que a magia e outros componentes fantásticos não possuem delimitações muito precisas e nem precisam ter, pois soam como elementos naturais daquele universo particular. No entanto, apesar dos pontos positivos, este foi o primeiro livro de Neil Gaiman que me passou uma impressão próxima da decepção. Foi a primeira vez que tive a sensação de que a história estava sendo inventada conforme a escrita progredia, como se o autor não soubesse para onde ir quando começou a escrever o livro. Entendo que isso possa fazer parte do processo criativo de alguns escritores, e Gaiman talvez sempre tenha operado dessa forma. Mas para mim isso nunca havia transparecido em seu texto antes. Ao ler obras do autor, sempre tive a sensação de que suas histórias estavam bem fundamentadas do início ao fim. “Os Filhos de Anansi”, infelizmente, parece ter sido quase todo improvisado. A subtrama envolvendo o chefe do protagonista, por exemplo, destoa demais do que a narrativa vinha sendo até então; e nem vou falar da parte da participação excessiva de um(a) fantasma da metade para o fim da história. Enfim, este spin-off de “Deuses Americanos” está longe de ser um livro ruim, mas, para os padrões de excelência pelos quais Neil Gaiman trilhou sua carreira, é um trabalho bem menos impressionante do que o que ele costuma produzir.