C. 11/04/2009
Do Macaco ao Homem: O Símbolo como Diferença - Resenha do primeiro capítulo d’A Formação Social da Mente
Por meio de toda a sorte de experimentos, incluindo crianças, animais e plantas, cientistas têm se empenhado, durante os últimos séculos, em esclarecer dúvidas sobre o comportamento humano.
O que, afinal, seria preponderante na diferenciação comportamental entre homens, chimpanzés e samambaias?
No intuito de fundamentar sua hipótese de que o desenvolvimento de características tipicamente humanas é gerado, necessariamente, pela relação entre uso de instrumento e símbolo, três questionamentos essenciais, em princípio, são apresentados por L. S. Vygotsky em O instrumento e o símbolo no desenvolvimento da criança, primeiro ensaio de A Formação Social da Mente.
O primeiro questionamento diz respeito à relação entre homem e ambiente; o segundo, às atividades responsáveis por levar o trabalho a tornar-se meio inequívoco de relacionamento entre sujeito e natureza, além das conseqüências psicológicas disto decorrentes; chegando, por fim, à relação entre o desenvolvimento da linguagem e o uso de instrumentos.
Um breve panorama histórico esboçado pelo autor cita duas bases sobre as quais a psicologia tem constituído hipóteses desde o século XX acerca do desenvolvimento psicológico do ser humano: botânica e zoológica.
A base botânica, sobre a qual Karl Stumpf baseou seus estudos, tratava de estabelecer analogias múltiplas entre desenvolvimento da criança e da planta, associando o processo psicológico à maturação, desconsiderando a complexidade do comportamento humano.
A psicologia moderna, por sua vez, pretere o modelo obsoleto supracitado, construindo pontes de convergência entre psicologia humana e animal. Surgem daí os experimentos com chipanzés, cujos resultados e procedimentos, como aponta Vygotsky, “estão sendo transpostos dos laboratórios de experimentação animal para as creches”(p.22).
Embora indique a contribuição valiosa deste último paradigma ao estudo das bases biológicas do comportamento humano, o autor dá relevo ao risco da conclusão equivocada à qual chegaram muitos cientistas, os quais, observando comportamento similar entre chimpanzés e crianças pequenas em experimentos envolvendo o uso de instrumentos, supuseram que raciocínio técnico e linguagem estivessem completamente desvinculados um do outro.
É justamente este o contraponto dos experimentos e conclusões de Vygotsky e seus colaboradores.
São inegáveis os pontos, bem observados anteriormente, de semelhança entre chimpanzés e crianças pequenas. Entretanto, há diferença notória entre um e outro a partir do desenvolvimento da linguagem da criança:
“O momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem”(p.27).
Enquanto a concepção mecanicista de Shapiro e Gerke procurava justificar toda espécie de comportamento a partir da imitação e repetição de atitudes, que supostamente forneceriam modelos mecânicos capazes de lidar com situações comuns ou novas, o estudo do autor engendra a compreensão de que o novo comportamento é, sim, gerado a partir da ação da atividade simbólica sobre o processo de uso dos instrumentos.
Por meio de experimentos com crianças, Levina, seu colaborador, pôde observar a relevância da fala egocêntrica na tentativa de resolverem desafios por ele propostos, como a ocasião na qual coloca num móvel alto um doce e pede que, utilizando como instrumentos apenas um banco e uma vara, uma menina de quatro anos pegue o doce.
Toda incursão da criança é permeada pela fala egocêntrica, que lhe permite organizar e planejar cada passo, bem como tirar conclusões a respeito.
Desta maneira, percebe-se como a fala, nesse sentido, é tão importante quanto a ação para atingir o objetivo da criança.
Enquanto os chimpanzés tomam atitudes relativamente desorganizadas, utilizando mecanicamente apenas aqueles objetos circunscritos por seu campo visual, as crianças são capazes de, por meio da fala, preparar, organizar e tirar conclusões sobre seus movimentos rumo ao objetivo. Além disso, no curso de seu desenvolvimento, surge também a função planejadora da fala, que permite ao sujeito a antecipação simbólica da ação.
A intersecção, portanto, entre o uso do instrumento e o do símbolo é justamente o que configura, segundo L. S. Vygotsky, a especificidade do comportamento humano.