Ilhas de História

Ilhas de História Marshall Sahlins




Resenhas - Ilhas de História


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Jimmy 12/06/2021

Resenha de: SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. 2ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

Conjunto de cinco artigos/palestras, esse livro tem como objetivo central perceber a diacronia na antropologia e a estrutura na História – o livro é uma tentativa de quebrar com o “estruturalismo yin-yang sem um Livro das Mutações” (p.19). Com pesquisas sobre o Havaí, Fiji e Nova Zelândia, portanto, a história dessas ilhas, o autor propõe que a cultura é transformada em seus usos (diacronia) e que a história, o evento e o futuro são interpretados por categorias culturais. No caso de suas pesquisas, essas categorias são fornecidas por mitos, gerando a mitopráxis, como diz o autor.
Quando os primeiros navios britânicos chegaram ao Havaí no século XVIII, os sacerdotes tomaram o capitão Cook pelo Deus Lono (deus da fertilidade), o que não os impediu de matarem Cook algumas semanas depois. Por que os havaianos matariam um deus? A resposta está nos seus mitos. A morte de Cook era a um só tempo, um evento, único; e um evento ritual, que acontecia todo ano. O contingente precisava de um significado cultural para se tornar histórico. A morte de Cook só pode ser realmente compreendida se soubermos que na mitologia havaiana, os homens têm de vencer os deuses para continuarem existindo e depois se apropriarem do poder feminino (terras, alimentos, reprodução). O ato de cozinhar tem o elemento simbólico de tirar o caráter divino das coisas. “A pesca, o cultivo, a construção de uma canoa ou até mesmo gerar um filho representam as muitas maneiras de um homem tomar ‘uma vida do deus’” (p.142). São deicídios periódicos que fazem o homem sobreviver. Era o poder dos sacerdotes de objetivarem sua interpretação nesses deicídios. É claro, nem todos os havaianos necessariamente acreditavam que Cook fosse Lono. Contudo, usaram a estrutura mítica para interpretar o contingente.
A chegada de Cook reproduzia as categorias culturais advindas do mito, mas também abria espaço para sua mudança. O que Sahlins chama de “estrutura da conjuntura”, isto é, uma duração intermediária entre a longa e a curta duração em que as intenções dos atores sociais, baseadas nas categorias culturais estão submetidas a consequências involuntárias, que são dadas pelo contingente, pelo evento. Os sacerdotes usaram categorias culturais prévias para interpretar o novo de acordo com suas intenções, porém o evento foi alterando os significados prévios, as relações entre as categorias. As palavras permaneceram, mas seus sentidos foram mudando.
Como argumenta Sahlins, o homem busca ordenar, classificar as coisas. Essa classificação é arbitrária e histórica. Os conceitos são forjados por convenções. Essas classificações precisam ser gerais, genéricas. O real ultrapassa essas classificações e “nada pode garantir que sujeitos inteligentes e motivados, com interesses e biografias sociais diversas, utilizarão as categorias existentes das maneiras prescritas” (p.180). É o que ele chama de “risco das categorias culturais”. Os homens precisam interpretar, classificar, ordenar o mundo para que ele faça sentido. O homem precisa nomear as coisas. Suas categorias são dadas previamente por sua cultura/educação. Alguém lhes ensinou que a fruta laranja se chama “laranja” e não “verde”. A tradição lhe dá os meios de interpretação do mundo, sua língua, sua percepção, seus valores. Acontece que os eventos, para fazerem sentido, são interpretados pelas categorias prévias, pelo passado, pela cultura. Contudo, o real supera as categorias, nomes são incompletos para interpretar o novo. Ou inventam-se novos nomes, ou os velhos ganham novos significados. Os usos das categorias as desgastam, o particular corrói sua universalidade, mostra suas insuficiências. A prática institui uma nova relação teórica. O uso das categorias traz em si o risco de sua transformação. Pessoas usam-nas de acordo com suas intenções, de acordo com sua posição social. Há um valor, um significado convencional nas palavras, mas também há seu uso subjetivo, seu uso criativo, para satisfazer as necessidades cotidianas dos indivíduos. Nesse sentido
as pessoas, enquanto responsáveis por suas próprias ações, realmente se tornam autoras de seus próprios conceitos; isto é, tomam a responsabilidade pelo que sua própria cultura possa ter feito com elas. Porque, se sempre há um passado no presente, um sistema a priori de interpretação, há também [...] a inflexão empírica específica de significado dada a conceitos culturais quando estes são realizados como projetos pessoais (p.189)

Assim, pelo princípio heraclitiano de que ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, palavras e coisas tem de manter alguma identidade, preservar algo da convenção dada pela cultura. Para o historiador isso é fundamental, pois ele pode estudar as intenções das pessoas, as relações de poder no uso das palavras/conceitos. Pode perceber que os eventos só se tornam significativos, ou seja, quando deixam de ser meros acontecimentos, quando são interpretados e as interpretações variam em função das intenções, da posição social, do poder, do léxico utilizado. O historiador pode ver como a estrutura se reproduz ao mesmo tempo em que muda.
A partir dessas considerações, Sahlins critica os erros do materialismo e do idealismo. O erro do materialismo é para ele, esquecer os sentidos dados pela sociedade ao evento. Enquanto que o idealismo ignora as forças materiais, as propriedades objetivas. De modo semelhante, é absurdo a separação entre teoria e prática, a seu ver, pois “toda práxis é teórica. tem sempre início nos conceitos dos atores e nos objetos da existência, nas segmentações culturais e nos valores de um sistema a priori” (p.192). Através da prática a teoria se atualiza, suas lacunas são preenchidas ou reavaliadas. A prática ou a pesquisa sai enfraquecida quando o pesquisador só usa a teoria para explicar seus dados. A prática deve, quando possível, questionar a teoria, mostrar suas insuficiências. De modo parecido, uma teoria refinada nos faz aguçar o olhar na interpretação do mundo e melhor detectar suas nuances.
Por conta disso, para Sahlins, não faz sentido a estrutura ser o lugar da permanência e a história o lugar da mudança. O passado se reproduz no presente, pois usamos conhecimentos prévios para assimilar e dar sentido ao novo. Algo permanece e algo muda nessa relação. A própria relação altera seu sentido na ação. Sahlins diz que modelos prescritivos e performativos são tipos ideais e coexistem em maior ou menor grau nas sociedades. A interpretação de Cook como deus Lono foi, de certo modo, uma prescrição. Entretanto, para as mulheres que tiveram contato mais próximo com a tripulação, em algum momento, começavam a desconfiar dela a da ideia da divindade do estrangeiro. Em um caso a relação prescreve a ação, no outro, é a ação que constrói a relação. Sahlins alerta que as ciências sociais geralmente enfatizam o primeiro caso e esquecem o segundo.
O grande potencial desse livro é a reflexão que faz a partir das histórias das ilhas do Pacífico para questionar o posicionamento da academia ocidental, seus binarismos, suas categorias científicas. Essa história funciona como um espelho pelo qual o autor tece sua crítica às concepções teóricas das ciências humanas. O diálogo entre antropologia e história é evidenciado de tal maneira que, como num jogo de xadrez, o pesquisador aprenda as regras (estrutura), mas compreenda como elas são usadas de modos criativos e únicos – pois nenhuma partida é igual à outra, assim como os acontecimentos, visto que a história não se repete – por pessoas de diferentes posições sociais, dotadas de intenções e histórias diferentes. Basta lembrar que ser nativo para os havaianos é algo que dá para se tornar pelas ações certas, como morar por certo tempo na comunidade. Assim como “morar e alimentar-se de uma certa porção de terra, faz com que as pessoas sejam da mesma substância que esta terra, da mesma maneira que uma criança é da mesma substância de seus pais (no Havaí isto acontece não só por nascimento mas também por criação)”(p.13). Em suma, é um livro que nos faz repensar o sentido de nossas categorias, seus usos, permanências e mudanças, pois são arbitrárias e a mesma relação (parentesco e natividade, por exemplo) tem sentidos diferentes para nós ocidentais e para os havaianos. Lá é a ação que rege a relação, portanto, o seu sentido é gestado culturalmente de modo diverso do nosso.
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Léo 22/02/2020

Livro importante para antropólogos e historiadores que infelizmente é restrito aos iniciados. Pois exige que se tenha alguma dose de leitura sobre estruturalismo e/ou pós-estruturalismo para ser minimamente compreendido. É um bom exemplo da linguagem academicista fechada que eu julgo dispensável. Além disso, a edição brasileira conta com uma tradução que peca em algumas passagens e não conta com notas de tradução. É uma pena que um livro tão importante tenha essa apresentação.
Cristian 17/03/2020minha estante
Não é possível desejar que só existam livros introdutórios! Pois é disso que se trata quando criticamos linguagem técnica sob a pecha de "academicismo". Há livros de introdução ótimos, leia-os, depois aprofunde o conhecimento. Não é difícil; mas leva tempo. Perseverança e verás que é só preconceito com a linguagem técnica, pois lhe será útil para avançar o conhecimento.




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