fabianacandido 27/05/2024
Apenas uma história tóxica de amor
É uma grande ousadia tentar reescrever os episódios de Ilíada. Me arrisco dizer que seja até uma presunção. É preciso ser um escritor excelente, um pesquisador e conhecedor da antiguidade grega, das obras de Homero e de toda a mitologia do período. Quando descobri que Madeline Miller, am "The Song of Achilles", havia se aventurado nessa dificílima, porém não impossível, empreitada de realizar uma releitura de Ilíada para um romance, fiquei muito empolgada. Finalmente, alguém corajoso o bastante para tentar essa façanha. Bela decepção... Homero deve estar se revirando no túmulo.
Eu tive tantas críticas e problemas durante a leitura, que poderia ficar o dia todo aqui escrevendo. Mas isso é contra-produtivo e, também, gera spoiler para aqueles que não são familiarizados com a história em Ilíada. Então, decidi pontuar apenas as maiores questões que me geraram incômodo.
1) A releitura da autora sobre o personagem Patroclus foi vergonhosa. Ela, basicamente, criou um outro personagem completamente diferente e lhe deu o nome de Patroclus: um personagem sem sal, covarde, que não sabe lutar e que odeia violência. Me revoltei tanto lendo, que quase larguei a obra inúmeras vezes. Patroclus era um grande guerreiro, e Madeline Miller simplesmente fez ele ficar brincando de casinha no acampamento, enquanto gregos e troianos se matavam.
2) O romance doentio entre Achilles e Patroclus. Esse foi outro ponto que, quando soube que era tratado na obra de Miller, fiquei super emocionada. Sempre fui chegada na tese de que os dois seriam amantes, mesmo sem isso nunca ter sido confirmado por Homero em suas histórias. Contudo, o romance descrito pela autora NÃO é fofinho. Não é bonito! É um romance tóxico, de profunda dependência emocional. Retrata uma submissão tão grande de Patroclus com Achilles, que o primeiro quase some na sua própria narrativa dos eventos. O que me leva a outra questão problemática:
3) A adoção do POV de Patroclus como narrativa. Isso limitou tanto a exploração da história, ainda mais tendo em vista a personalidade não-violenta criada pela autora em relação ao personagem. Em alguns momentos, é super interessante essa escolha de Miller. Mas, na maior parte do tempo, isso limita a ambientação. Como vamos saber o que acontece com Achilles quando Patroclus não está por perto? Muitas vezes, o pesonagem de Patroclus parecia estar na cena apenas para que a autora conseguisse narrar acontecimentos com outros personagens. E ele só ficava ali, parado, existindo e observando. Para isso, seria melhor tomar uma narrativa em 3ª pessoa então!
4) Finalmente, a última questão: é importante que o leitor saiba que este não é um livre que retrata a guerra entre gregos e troianos. É um romance sobre a relação entre Achilles e Patroclus. Apenas. Não inicie a leitura sem saber que a ambientação da guerra é muito pouco explorada, pouquíssimas deidades aparecem e a mitologia não é abordada em profusão de detalhes. Não é uma releitura sobre os eventos narrados em Ilíada, mas sim uma história de amor trágica entre dois guerreiros. Somente isso, sem mais nem menos.
Recomendaria? Não. Mesmo se fôssemos desconsiderar toda a parte da história original que a autora massacrou, o próprio romance me deu arrepios de desconforto. Enfim, resto aqui muito decepcionada, mas aliviada de poder avisar demais leitores apreciadores de Homero quanto ao que podem encontrar em "The Song of Achilles".