Carla.Parreira 23/02/2024
Solidão (Anthony Storr). Melhores trechos: "...O extraordinário sucesso do homem como espécie origina-se de sua insatisfação, que o leva a usar a imaginação. O tipo de homem moderno que demonstra mais descontentamento do que todos os outros, o homem ocidental, tem sido o mais bemsucedido... O artista é originalmente um homem que se afasta da realidade, porque não consegue aceitar a ideia de renunciar à satisfação dos instintos que ela a princípio exige e que permite que seus desejos eróticos e ambiciosos se manifestem totalmente na vida de fantasia. No entanto, encontra um caminho que o conduz do mundo da fantasia de volta à realidade, usando dons especiais para plasmar suas fantasias em novos tipos de verdade, valorizados pelos homens como reflexos preciosos da realidade. Assim, de certa forma, ele efetivamente se torna o herói, o rei, o criador ou o favorito que desejava ser, sem seguir o longo caminho indireto de realizar alterações no mundo exterior. Mas só consegue alcançar isso porque outros homens sentem a mesma insatisfação que ele sente com a renúncia exigida pela realidade e porque essa insatisfação, que resulta da substituição do princípio do prazer pelo da realidade, é ela própria uma parte da realidade... Os objetos de transição só surgem quando o bebê é capaz de investi-los de qualidades solidárias ou amorosas. Para tanto, o bebê precisa ter experimentado apoio e amor verdadeiros. É só quando a mãe foi introjetada pelo menos como elemento parcialmente bom que essas qualidades podem ser projetadas sobre o objeto de transição. A capacidade de desenvolver o apego ao objeto de transição é, por conseguinte, sinal de saúde, e não indício de privação, do mesmo modo que a capacidade de ficar sozinho é sinal de segurança interna, e não a expressão de um estado de retraimento... A ação de desenhar é comparável à formação de conceitos. Permite ao desenhista realizar experiências com imagens separadas do objeto que originalmente lhe despertou o interesse, conferindo-lhe, assim, a sensação de domínio sobre o objeto. A crença no poder da imagem foi provavelmente o motivo que levou os escultores egípcios a construir efígies dos mortos. Acreditava-se que a imagem garantia a vida depois da morte... Artistas eram artesãos de quem não se esperava originalidade, e sim que cumprissem as ordens dos que os patrocinavam. Sua principal tarefa era lembrar aos devotos, quase sempre analfabetos, os dogmas da religião cristã. Com esse objetivo, pintavam as paredes das igrejas com cenas da vida de Cristo e dos santos. O artista medieval era recrutado nas camadas inferiores da sociedade. Como a pintura e a escultura envolviam o trabalho manual, as artes visuais eram consideradas inferiores à literatura e às ciências teóricas. Foi somente a partir de meados do século XIII que o nome dos pintores começou a ser registrado individualmente... É certo que o apego inseguro, embora algumas vezes resultante de cuidados relapsos, falta de afeto ou rejeição por parte da mãe, nem sempre é culpa desta última. Os bebês são geneticamente diferentes, e alguns podem ser incapazes de desenvolver apegos seguros, por mais amor e carinho que possam receber. Isso é verdadeiro com relação a algumas crianças que mais tarde são chamadas de 'autistas'... As crianças que sentem que precisam ser submissas, a ponto de parcialmente negar ou reprimir sua verdadeira natureza, estão destinadas a permanecer dependentes de fontes exteriores para conservar sua autoestima. Uma criança assim se transformará em adulto que continuará a sentir que precisa ser bem-sucedido ou eficiente, ou receber a aprovação de todo mundo, para achar que tem algum valor. Isso, é claro, torna-o especialmente vulnerável aos reveses da vida... Os pacientes gravemente deprimidos efetivamente carecem de algo interior que outras pessoas menos vulneráveis possuem: o senso intrínseco de seu valor pessoal... Se a pessoa com personalidade depressiva tem algum tipo de talento, descobrirá que expressa melhor seu verdadeiro eu por meio de alguma forma de trabalho criativo, em lugar de uma interação com os outros... Está claro que a rejeição implica distúrbio mais profundo na relação entre o bebê e sua mãe do que a complacência. Isso deve ter mais ligação com o fato de a rejeição manifestar-se em estágio anterior do desenvolvimento do bebê do que no comportamento mais sofisticado da complacência. A rejeição está relacionada ao medo de ser ferido ou destruído pela hostilidade. A complacência está ligada ao receio de o amor ser recolhido. A rejeição sugere a dúvida de o amor ter sido algum dia oferecido. A complacência implica o reconhecimento de que o amor está disponível e ao mesmo tempo a dúvida de que seja duradouro... Nada pode compensar na íntegra a ausência dos elos mais íntimos nos pequeninos... Escrever é uma forma de terapia; algumas vezes me pergunto de que modo os que não escrevem nem compõem ou pintam conseguem escapar da loucura, da melancolia e do medo aterrador inerentes à condição humana..."