Cardoso 07/10/2020
Nota confusa dum livro confuso
É no mínimo curioso que MFS tenha "ressurgido" nas mãos de seguidores de Olavo de Carvalho e admiradores de Jair Bolsonaro; há passagens, tópicos e algumas páginas inteiras, ipsis litteris, que os condenariam. Na verdade, muita coisa, aqui, serve para atacar muitas outras coisas: sob a desculpa do "manifesto", se permite certas "lacunas" que seriam, obviamente, apenas generalizações, polêmicas... Mas existem polêmicas e polêmicas, o aforismo tem esse poder: sintetizar, em poucas palavras, sistemas complexos de ideias que, se na teoria prática podem até desmentir esse cartão de visitas, ainda servem no plano pedagógico e político. Quem sabia fazer isso muito bem era Marx, com quem Mário luta, luta e luta sem conseguir atingir o alvo; aliás, no trecho em que, tratando do esporte, propõe Proudhon no lugar de Marx, acaba caindo numa série de contradições que seriam resolvidas facilmente... pelo próprio filósofo alemão! Sobre polêmicas, aliás, é permitido falsear a história? Se "a história da humanidade é a história da luta de classes" é tão polêmica, nada digo de certas constatações de Ferreira dos Santos a respeito do Cristianismo e da Igreja, da Civilização Ocidental Judaico-Cristã, da Filosofia Moderna (ou Contemporânea, com letra maiúscula ou minúscula, sei lá, que loucura!), do Renascimento e pitacos que dá em áreas como a Física, História e Psicologia... Calafrios!
Enfim, a repercussão: Mário é um anarquista, ainda que um católico fervoroso no sentido mais conservador do termo — a verdade é que o verdadeiro espantalho que o "bárbaro" se torna cai em lugares perigosíssimos —, de deixar Tolstoi (um grande anarquista cristão!) de cabelos em pé; é proudhoniano, porém tomista; é um moralista inocente (é difícil não rir de certas passagens excessivamente pudicas, quase de um celibatário!) e que atira pra todos os lados. Certo: eu sei que ele escreveu uma enciclopédia, onde todo o seu pensamento está sistematizado — e isso é, no mínimo, admirável e positivo! —, mas não muda o fato de Invasão vertical dos bárbaros ser, per si, uma obra confusa; uma reedição pediria, aliás, um bom prefácio explicativo e contextualizador, ainda mais como forma de conhecermos mais sobre essa mente que os conservadores querem tanto que lembremos! Mário era, ao que tudo indica, opositor da Ditadura e este livro foi lançado em 1967; me pergunto o quanto daqui não está, em alguma medida, direcionado ao próprio Regime Militar; a obra, entretanto, apresentada descontextualizada, tem certos propósitos editoriais e políticos que não conseguem menos que o meu desprezo.