Renato Almeida 15/08/2021
Medo e Delírio em Las Vegas faz alusão, crítica e reflexão ao almejado “sonho americano”
Publicado pela primeira vez em 1971, Medo e Delírio em Las Vegas: uma jornada selvagem ao coração americano, é uma história com viés autobiográfico do escritor e jornalista Hunter S. Thompson. O autor ficou conhecido mundialmente como criador do estilo de escrita denominado Jornalismo Gonzo, isto é, um gênero textual regado por narrações de experimentações e extravagâncias — e que não possui uma distinção entre autor e sujeito, ficção e não-ficção.
“De fato”, admitiu. “Precisamos fazer isso.”
“Certo”, falei. “Mas antes precisamos do carro. E da cocaína. E depois a gente compra o gravador, pra ouvir uma trilha sonora especial, e umas camisas de Acapulco. Senti que a única maneira de ficar pronto para uma viagem como aquela era me vestir como um pavão humano, enlouquecer, cantar pneu pelo deserto e, no fim das contas cobrir a matéria. Nunca se esqueça da sua responsabilidade principal. P.15.
Ao longo da publicação, Thompson utiliza as várias possibilidades presentes no estilo textual gonzo: a narrativa em primeira pessoa, dispensa a objetividade, tratando as descrições, diálogos e percepções de espaço, lugar e tempo com alto grau de complexidade e subjetividade. Os diálogos, em especial, inúmeras vezes, não fazem sentido em uma primeira leitura, muitos deles ocorrem em meio às alucinações resultantes do uso desenfreado de substâncias entorpecentes. Contudo, as falas, ao serem relidas numa segunda ou terceira vez, demonstram ligação e similaridade com questões de cunho econômico, político, pessoal e social.
A história tem início quando o jornalista Hunter S. Thompson é contratado para escrever uma matéria em Las Vegas, e chama seu advogado Oscar Zeta Acosta (Dr. Gonzo) para acompanhá-lo. Ambos decidem comprar o máximo de drogas lícitas e ilícitas que conseguirem. É através dos efeitos alucinógenos, causados pelas substâncias, que os personagens buscam encontrar respostas sobre várias inquietações internas sobre si, suas profissões e a sociedade, de modo geral.
Mas nossa viagem era diferente. Era afirmação clássica de tudo que é correto, verdadeiro e decente no caráter nacional. Era uma saudação grosseira e material às possibilidades fantásticas da vida neste país — disponíveis apenas para quem realmente tem coragem. E isso nós tínhamos de sobra. P. 20.
Uma espécie de menção aos leitores, é feita no início do livro, enquanto os protagonistas ainda estão no deserto Mojave, em direção à Las Vegas. O “rapaz caipira”, como o andarilho é denominado pelo jornalista, faz uma alusão ao sentimentos que podem ser criados na mente de quem lê a obra, ou seja, ele se vê assustado com as ações exageradas e imprudentes dos homens ao volante. Não demora muito para o rapaz pedir para descer do carro e a viagem segue.
Ao chegaram em Las Vegas, os personagens se hospedam com nomes falsos no Hotel Mint 400, local responsável por promover o evento que Thompson irá cobrir. Thompson passar a se chamar Raoul Duke, e Oscar recebe o nome de Dr. Gonzo. Diferente da estética pregada pelo grandes estúdios cinematográficos, a cidade de Las Vegas, conhecida pela vida noturna, é descrita de uma forma bem menos deslumbrante, além de sombria e perigosa.
…Por que se dar o trabalho de ler jornais, se isso é tudo que têm a oferecer? Agnew tinha razão. A imprensa é uma gangue de covardes impiedosos. Jornalismo não é uma profissão, não é nem mesmo um ofício. É uma saída barata para vagabundos e desajustados — uma porta falsa que leva à parte dos fundos da vida, um buraquinho imundo e cheio de mijo, fechado com tábuas pelo inspetor de segurança, mas fundo o bastante para comportar um bêbado deitado que fica olhando para a calçada se masturbando como um chimpanzé numa jaula de zoológico. P. 156.
Os questionamentos e posicionamentos críticos dos personagens, fazem referências às problemáticas da época, e que ainda ressoam na atualidade. Thompson faz críticas ao jornalismo diário e sua escrita objetiva que segundo ele, deixa descrições importantíssimas de fora da matéria, por seguir regras engessadas. Também é citada a busca e a decadência do tão almejado “sonho americano”, termo criado na década de 30, pelo historiador James Truslow Adams, autor do livro A Epopeia Americana — onde se faz uma crítica ao sistema americano por propagar — que a realização pessoal e profissional, vai muito além da questão de mérito. Ao utilizaram drogas de forma desenfreada, os protagonistas ilustram grande parte da população dos anos 70, que viam nas substâncias uma espécie de fuga ou conforto em relação à desigualdade social, além dos sentimentos de medo e insegurança comuns na geração mencionada.
Garçonete: Ei, Lou, sabe onde fica o Sonho Americano?
Adv. (para Duke): Ela tá perguntando pra cozinheira se ela sabe onde fica o Sonho Americano.
Garçonete: Cinco tacos, um tacobúrguer. Sabe onde fica o Sonho Americano?
Lou: Como assim? O que é isso?
Adv.: Bem, a gente não sabe. Fomos mandados de San Francisco até aqui pra encontrar o Sonho Americano. Foi uma revista, eles querem uma matéria.
Lou: Ah, é um lugar.
Adv.: Um lugar chamado Sonho Americano.
Lou: Não é o antigo Clube dos Psiquiatras?
Garçonete: Acho que é. P. 129.
Título: Medo e Delírio em Las Vegas — Um jornada selvagem ao coração do sonho americano
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