Gabriel 08/02/2019
C. S. LEWIS E A FORÇA DA NARRATIVA MÍTICA EM “ALÉM DO PLANETA SILENCIOSO”
A literatura tem o poder de nos arrebatar das nossas angústias diárias, das nossas dúvidas sem respostas e dos nossos medos mais íntimos. Quando somos acometidos por alguma dessas inquietações, podemos recorrer ao refúgio de uma história bem escrita que nos conduz ao clímax das emoções. Em alguns casos, ainda se dá a felicidade de encontrarmos, na leitura, consolo para as nossas angústias, resposta para as nossas dúvidas e coragem para enfrentarmos nossos medos.
“Além do planeta silencioso”, do britânico Clive Staples Lewis, é uma das obras capazes de causar esse impacto no leitor. O livro, publicado em 1938 – à beira do início da Segunda Guerra Mundial – é o primeiro da trilogia que ficou conhecida como trilogia cósmica. C. S. Lewis, que só publicaria as famosas Crônicas de Nárnia cerca de 12 anos depois, decidiu se embrenhar pelo universo da ficção científica. É um tanto incomum que um autor prolífico consiga ser tão bom nos mais diversos gêneros literários. Incomum, mas não impossível. A despeito das preferências pessoais ou religiosas de cada leitor, Lewis conseguiu a proeza de deixar como legado um vasto acervo literário de qualidades incontestes, que vai das publicações acadêmicas no âmbito da teologia e da filosofia até as aprazíveis obras de fantasia e ficção científica.
Quando C. S. Lewis publicou “Além do planeta silencioso”, em 1938, já se desenhava no horizonte a iminência de uma Segunda Guerra Mundial, mas o que se seguiria após essa fase na história da humanidade ainda era incerto e nebuloso. Assim, nota-se também o olhar perspicaz do Lewis ao descrever, na sua obra, o desejo do homem de conquistar o espaço, desejo esse que só seria vislumbrado 19 anos depois, na Guerra Fria, com o que ficou conhecido como “corrida espacial”, a partir de 1957.
Na primeira parte da trilogia, acompanhamos o Dr. Elwin Ransom, um professor de filologia prestes a embarcar na aventura mais inesperada e inebriante de suas férias. Ao longo da narrativa, pode-se constatar que o personagem criado por Lewis foi uma forma de homenagear seu grande amigo, Tolkien, criador da Terra-Média e das fantásticas histórias d’O Hobbit, O Senhor dos Anéis e O Silmarillion. Assim como Tolkien, Ransom era um apaixonado pelas palavras, pela língua escrita e falada; era também um religioso e, por fim, apesar de sua personalidade às vezes titubeante, era um homem de pulso firme que levava a termo as suas convicções.
A propósito, de acordo com Andrew Wilson, biógrafo de Lewis, a ideia para escrever esta obra surgiu como um desafio após uma conversa entre Lewis e Tolkien. Eles chegaram ao consenso de que a ficção contemporânea deixava a desejar e propuseram a si próprios um desafio: Lewis escreveria uma história sobre viagem espacial e Tolkien escreveria uma história sobre viagem no tempo. Infelizmente, os escritos de Tolkien neste empreendimento são apenas fragmentos que foram reunidos junto a outros excertos e publicados em The Lost Road and Others Writtings, quinto volume do The History of Middle-Earth, ainda sem tradução para o Brasil.
Tratarei de ocultar alguns detalhes da história com a finalidade de não provocar uma frustração naqueles que ainda não fizeram a leitura – até porque estou certo de que o impacto causado pelas revelações parágrafo a parágrafo é infinitamente superior a qualquer impacto que uma curta descrição possa causar. Dito isto, passemos ao panorama geral: Elwin Ransom é um professor que aproveita as férias para viajar pela Inglaterra, caminhando sozinho, com suprimentos e um mapa. Em determinada altura da viagem, ele se depara com dois cientistas, Weston e Devine, que, após se mostrarem afáveis, raptam-no para levá-lo numa viagem pelo espaço. O destino era Malacandra, conhecida por nós como o planeta Marte. Chegando lá, Ransom, temendo o desconhecido e os planos de Weston e Devine, resolve fugir e se esconder das eventuais ameaças que poderia encontrar. Daí em diante, o leitor é presenteado com descrições criativas e sofisticadas de Malacandra, como sua geologia, sua metereologia, seu idioma e, o mais importante, sobre os seres que ali habitam.
São três as espécies de “seres humanos” que habitam Malacandra: hross, sorn e pfifltrigg. No idioma malacandriano, todos eles são conhecidos como sendo hnau, o que equivaleria talvez ao nosso termo “pessoa” – embora não seja uma associação de todo satisfatória. Os hrossa são mais artísticos; fazem poesias e cantam suas histórias, além de serem os melhores na construção de barcos. Os séroni, por outro lado, são os cientistas; aqueles que conhecem os mistérios dos céus e estudam os astros. Por fim, os pfifltriggi são seres talentosos na confecção de coisas mais complexas; algo como engenheiros profundamente engajados e curiosos com relação àquilo que lhes possa desafiar. São todos, portanto, criaturas racionais. Há ainda a presença de eldila em Malacandra, que são seres imortais e praticamente invisíveis aos olhos humanos. O planeta é governado por Oyarsa, um eldil superior que se submete a Maleldil, o Jovem, uma divindade que mora com O Velho.
Através desse enredo, Lewis levanta importantes questões morais e metafísicas, destacando a degradação humana que culmina em sede de poder e de dominação. A profundidade dos diálogos, por mais curtos que sejam, é capaz de provocar um misto de sensações no leitor. Ao mesmo tempo em que somos levados a uma sensação próxima do medo, somos também conduzidos por raciocínios que trazem imediatamente o conforto para dentro de nós.
Texto completo no link abaixo.
site: https://pomodadiscordia.wordpress.com/2019/02/08/c-s-lewis-e-a-forca-da-narrativa-mitica-em-alem-do-planeta-silencioso/