Toni 26/08/2019
Desde a leitura de “O que vemos, o que nos olha” que procuro manter uma distância saudável entre meus passeios pela teoria e os labirintos fenomenológicos do filósofo-historiador Didi-Huberman. Apesar do esforço e da medida preventiva, ‘Sobrevivência dos vaga-lumes’ foi uma imposição da tese que chegou para nos reconciliar. Primeiro porque, desta vez, Toni conseguiu entender Didi; segundo (para quem não considera o atestado de capacidade cognitiva razão suficiente), porque o texto fala de resistências, de uma forma de enxergar certas imagens como lampejos de experiências que não se deixam ofuscar pelos holofotes dos “genocídios culturais”.
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O ponto de partida são 2 momentos na obra do italiano P. P. Pasolini em que vaga-lumes são evocados em sentidos completamente opostos: no primeiro, aos 19 anos, como seres de graça que resistem ao mundo do terror; no segundo, 34 anos depois, numa tese em que lamenta seu desaparecimento, sinal de aniquilação pelo fascismo triunfante. Articulando as já conhecidas teses de Walter Benjamin sobre nossa carência de experiências comunicáveis (“Experiência e pobreza” e “O narrador”) e o fatalismo de Agamben (em “O reino e a glória” e “Infância e história”), Didi-Huberman resgata uma espécie de teoria política na qual a imagem é lida como potencial capaz de transpor o horizonte das construções autoritárias.
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”Busquemos, então,” diz o autor, “as experiências que se transmitem ainda para além de todos os ‘espetáculos’ comprados e vendidos a nossa volta (...). Somos ‘pobres em experiência’? Façamos dessa mesma pobreza—dessa semiescuridão—uma experiência.” Se lido com calma e sem pretensões teorizantes (quem está fazendo pós sabe o quanto queremos transformar em teoria quase tudo que se lê), é um livrinho ele mesmo vaga-lume: faz perceber imagens quando a imaginação parecia ofuscada e reafirma, no excesso de razão da contemporaneidade, “que a experiência é indestrutível, mesmo que se encontre reduzida às sobrevivências e às clandestinidades de simples lampejos na noite".