spoiler visualizarGustavo Palma 07/08/2022
A coisa que eu mais gosto nas obras da Jacqueline Susann é como ela escreve romances bastante realistas (e pessimistas) e pouco idealizados. Passei o livro inteiro odiando a Anne e a Neely, enquanto adorei a Jennifer.
A Anne desde o começo é bastante idealista, querendo sair de Lawrenceville para viver um grande amor na cidade grande, para se livrar do determinismo do interior da Nova Inglaterra, mas com o tempo a realidade vai se impondo sobre ela (mesmo que ela se recuse a aceitar isso até o final do livro), mostrando que a ideia do grande amor, da devoção apaixonada, é uma grande mentira - ainda mais quando se trata do meio dos artistas. Ela recusa o Allen e o Kevin, criticando que eles tentam exigir o amor dela e chamando de patéticas as tentativas deles de fazerem com que ela fique com eles. Justiça seja feita, o Allen de fato era um chato que não ouvia o que ela dizia, que se achava superior só por ser rico, e não aceitava um não como resposta. O Kevin, como ela mesma diz, era devoto à ela desde o começo, só mudando pra uma pessoa agressiva por questão de ciúmes - e como ela esperava que ele agisse, sendo que ela admitia que não conseguia controlar os sentimentos pelo Lyon? No fim, ela abandona os dois para agir da mesma forma com o Lyon: usa do dinheiro para forçá-lo a ficar com ela em Nova Iorque (assim como Allen tentou fazer) e tenta forçá-lo a aceitar a devoção dela e não trocá-la por outra (assim como Kevin fez). Ela não nota, ou não quer notar, que é mais parecida com Allen e Kevin do que acha. No fim, abandona tudo para alimentar essa devoção pelo Lyon, e no fim ela nota que "cada vez isso a magoaria menos, e ela amaria Lyon menos, até que um dia não existiria mais nada - nem mágoa, nem amor". A ideia do amor romântico, que se basta por si só, é desmanchada.
Outros personagens também trazem falas e pensamentos muito interessantes para construir o argumento do livro sobre o amor "real", ou talvez pragmático, em oposição a esse amor "romântico", idealizado, que a Anne carrega. Henry, desde o começo, alerta a Anne que ela não conseguirá mudar Lyon, que o amor dele é apenas eterno enquanto dure. Jennifer também diz que em todo relacionamento há uma pessoa que ama e outra que é amada, e que não é possível amar e ser amado pela mesma pessoa. Mas a fala mais interessante é a de Lyon: "O amor não deve transformar a gente em mendigos. E eu não quero o amor, se tiver de pedir por ele. E eu desprezaria alguém que suplicasse o meu amor. O amor é algo que deve ser dado, algo que não pode ser comprado com palavras ou com piedade, ou mesmo com a razão". Ele se mantém muito fiel a essa fala ao longo de toda a história.
A Jennifer, coitada, só sofreu a história inteira, por causa de todos: sua família, seus relacionamentos afetivos/casamentos, sua carreira. De fato, só a Anne pode oferecer algo diferente pra ela, que foi uma amizade sincera. Fiquei triste com o suicídio dela, mas parece que era a única saída para ela, alguém que sempre foi hipersexualizada e cuja existência dependia apenas das medidas do seu corpo.
A Neely é o estereótipo da diva, escalou muito rápido para a fama e deixou ela subir à cabeça. Acreditei que poderia se recuperar e mudar de personalidade depois da internação, mas claramente o egocentrismo era algo inato dela, ao ponto de trair a pessoa que mais a ajudou na vida, Anne.
Em relação aos personagens homens, senti muita simpatia pelo Henry. Apesar dos pesares, ele sempre se mostrou uma boa pessoa, que sempre estava disposta a ajudar quem precisasse dele - fosse Anne ou alguém agenciado pelo escritório. Ele sempre foi muito razoável, tentando controlar Helen e Anne e evitar que elas fizessem erros, o que no fim nunca adiantou de nada. O Lyon, por outro lado, deu vários sinais de ser egocêntrico. Em vários momentos ele mostra que é super individualista, que no fim apenas se importa consigo mesmo e os outros em sua vida são efêmeros. Me incomodou demais a Anne nunca se tocar disso e fugir dele, porque sempre foi muito claro que aconteceria o que aconteceu no final: ele não mudaria, continuaria pulando de uma amante para outra.
De novo, gostei do livro por causa do pessimismo da autora, que eu já tinha sentido bastante em Dolores. Particularmente, esse é meu tipo favorito de livro romântico: o que eu só passo raiva com os personagens. Para quem gosta desse tipo de livro, vale muito a pena ler.