Lissa - @leiturasdalissa 16/10/2019Em Vale das Bonecas, a primeira personagem que conhecemos é Anne Welles. Uma moça tradicional da pequena cidade de Lawrenceville, cujo maior desejo é deixar a vida do interior e de casamentos arranjados para trás em busca de suas próprias conquistas. Ela decide, então, tentar a vida em Nova York.
Bonita, delicada e muito dedicada, logo consegue emprego como secretária na Bellamy & Bellows, uma agência de artistas responsável por vários espetáculos na cidade e arredores, e que também cuida da carreira da grande estrela Helen Lawson.
Lá, ela conhece Lyon Burke, um agente que havia abandonado a carreira para lutar na Broadway. Um interesse mútuo é iniciado, mas interrompido por Allen Cooper, um milionário que decide fazer com que Anne se case com ele a qualquer custo. Nesse meio tempo, a nova peça de Helen Lawson precisa começar, mas a artista é conhecida por seus ataques de estrelismo. Mesmo que não seja tão jovem ou bonita mais, ela sabe que tem o público bem amarrado em seus dedos.
Anne, então, se aproxima de Helen e ambas ficam amigas. Essa aproximação permite que Anne sugira a Helen a inclusão de sua vizinha e também amiga próxima, Nelly O'Hara, na mesma peça. Helen, que nunca gosta de ninguém, acaba por acatar o pedido. Nelly brilha nos palcos e consegue iniciar uma carreira de muito sucesso.
Depois de conseguir se desvencilhar de Allen Cooper, Anne e Lyon se envolvem romanticamente. Helen a adverte em relação a isso, tanto por egoísmo quanto por inveja, mas talvez também por amizade: Lyon Burke era um mulherengo incurável. Isso culmina em uma crise no relacionamento de ambas, que se distanciam.
Jennifer North, uma adorável corista, entra em cena para trazer um lado mais doce e suave a essa guerra de egos. Ela sabe que não tem talento e que é vista apenas como um corpo e um rosto bonitos. Porém, é amável e gentil e, quando cruza o caminho de Anne e Neely, ficam amigas imediatamente.
A partir disso, o livro passa a seguir o caminho dessas mulheres que tem uma coisa em comum: o desejo de serem ricas, independentes e terem uma carreira de muito sucesso. Com muitos altos e baixos e uma instabilidade emocional provocada pela pressão da indústria, cada uma recorre, em seu devido momento, às "bonecas", amarelas, vermelhas, verdes ou com listras azuis, para dormir uma noite inteira de sono e simplesmente arranjarem forças para encarar mais um dia em busca da realização de seus sonhos - ou, simplesmente, em busca de aguentar pelo menos mais um pouco.
Terminei esse livro simplesmente arrebatada. Tenho plena consciência de que não é alta literatura, que não é um cânone e talvez nem mesmo um clássico, uma vez que ocupa a posição de best seller. Mas apesar de ter sido escrito em 1966, diz muito ainda sobre o mundo em que vivemos hoje.
Para começar, aborda temas sérios, como suicídio, vício em drogas, câncer de mama, perfeição estética e aborto. Muitas das experiências e relatos que se tornaram fictícios na obra vieram da vivência da própria autora, já acostumada aos holofotes e às dificuldades da fama.
Em alguns momentos, a narrativa é machista, pois faz com que tudo gire em torno da necessidade de um homem e de se casar. Porém, esse é o próprio retrato de uma época que ditava que assim deveria ser o destino das mulheres. As personagens do livro, muito embora voltem sempre a essa questão, ao mesmo tempo enfrentam o dilema de ir contra isso e seguirem suas próprias vidas.
Há também o preconceito explícito às figuras homossexuais que fazem uma ponta na história, algo muito característico em um cenário repleto de preconceito. Isso, por vezes, pode ser incômodo na leitura, por sempre soar ofensivo. Contudo, acho importante reforçar que essa era a visão da autora, e assim era o universo que ela vivia. Ao contrário das escritoras de hoje, ela não teve a oportunidade de recriar esses pontos de maneira diferente.
E, ainda que tenhamos evoluído tanto, quanto desse cenário retratado em O Vale das Bonecas realmente mudou? O que sabemos a respeito do que corre nos bastidores do cinema, da música e da televisão? É assim que seguimos durante todo o livro. Imersos em um contexto tão longe do nosso, mas que nem por um segundo duvidamos que existiu. Ou que ainda exista.