Paulo Sousa 07/11/2022
Leituras de 2022
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Os enamoramentos [2011]
Orig. Los enamoramientos
Javier Marías (?? 1951-2022)
Cia das Letras, 2012, 344p.
Trad. Eduardo Brandão
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??O enamoramento é insignificante, em compensação sua espera é substancial.?
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A leitura de Os Enamoramentos deveria ser concluída ainda na semana logo após o lamentável desaparecimento deste mundo de Javier Marias, o grande escritor espanhol que tem me ganhado livro a livro. O que impediu foi a súbita avalanche de problemas, encargos, problemas familiares, entre um ou outro momento para respirar, tamanho o turbilhão de impeditivos que me avassalaram nas últimas semanas. Paciência: a sábia frase de João da Ega, ja no finalzinho de Os Maias, pode muito bem descrever meu eterno lapso - ?a vida que concebemos, nem sempre e a que vivemos?? (cito de orelha).
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O livro em si tem aquele ingrediente sempre presente nos outros bons Marías que li: um traço detetivesco, cujo ar de conspiração é um chamariz para varar as madrugadas pegado na leitura; um triângulo amoroso, aqui, no caso, representado por Maria Dolz, a narradora do romance, que trabalha numa editora, que é enamorada de Javier Díaz-Varela que, por sua vez, é enamorado de Luiza Desvern, viúva de Miguel, a quem Diaz-Varela conspirou para dar cabo a fim de pode solidificar sua paixão por Luiza; e uma longa caminhada labiríntica onde o agora finado escritor nos leva a pensar no universo masculino permeado de mentiras e inconsistências que dominam suas ações e relações e o sofrimento causado a terceiros, cujo atos jamais serão devidamente punidos, ja que para tal mal não há testemunhas, senão a própria consciência do causador.
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Também de praxe são as estreitas ligações com outros autores/livros, sabiamente inseridos na trama por Marías. É o caso de ?O coronel Chabert?, de Balzac, livro inclusive lido por mim e mini-resenhado também - a cujo mote muito se assemelha a Os Enamoramentos, só que de forma invertida, no caso a tentativa de Chabert de provar que não morreu na guerra, mas está vivo da silva, ao contrário de Miguel, que decidiu ele mesmo desaparecer da existência quando descobriu ser portador de uma doença avassaladora, ainda que efetivado por mãos terceiras.
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E assim, através da fala de Maria, vamos sendo imergidos nesse universo de motivos nada louváveis em prol de uma causa só leve e aparentemente justa. Ela, uma vez vivendo um rápido caso com Diaz-Varela, acaba interceptando uma conversa daquele com um terceiro envolvido, Ruibérriz, comparsa de Díaz-Varela, na morte de Desvern. Maria se vê enrodilhada no plano de seu amante e teme que ele, ao descobrir que seu plano foi revelado, busque meios de dissuadir Maria de denunciá-lo ou mesmo revelar a trama a Luiza, pondo tudo por agua abaixo, ou mesmo o pior, ser morta por seu amante desconfiado e nada amistoso.
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Como vês, nada demais no enredo, não fosse a pena mágica de Javier Marías quando concebeu este livro sensacional. E é uma pena, uma grande pena essa partida tão repentina que só mesmo o ensimesmamento para nos consolar, pobres leitores?