Wilton 09/06/2014João Valério também era um caetéComentários sobre o livro: CAETÉS, de Graciliano Ramos
Ler sem fazer uma análise psicológica de João Valério é decepção na certa. A obra tem toda a feição do Naturalismo. Essa escola privilegiava o coletivo e o protagonista, em toda a ação, é um escravo do grupo. Haja vista, os serões e festas que João obrigava-se a frequentar.
Habilmente, o autor narrou em primeira pessoa. Assim, conseguiu, numa obra naturalista, dar uma feição individualizada da personagem. O recurso deixou o indivíduo e o corpo social em pé de igualdade.
Um narrador de terceira pessoa, seria onipotente, e manipularia as personagens. A narrativa em primeira pessoa serviu para humanizar a figura do frustrado amante.
Extravasa do texto o profundo complexo de inferioridade de João Valério. Numa cidade pequena e sem uma forte intelectualidade, ele insiste em escrever um livro sobre os índios Caetés dos quais sabe quase nada. O livro é uma tentativa de engrandecer-se.
Conquista Luísa e, de fato, ama-a. Mas o que move o seu amor é o sentimento da própria inferioridade. Quer demonstrar que não é rico como Adrião, mas é jovem e belo. As comparações não param por aí: ele não é bacharel como Evaristo ou o Dr. Castro, mas é um intelectual.
João não age, apenas contabiliza as suas vantagens: o pendor intelectual e a juventude. Assim, veio bem a calhar a profissão de guarda-livros.
O elemento central do romance é o caso com Luísa. Com a morte de Adrião, o amor arrefece. A mesma situação aconteceu com o Caetés: Vivendo como um simples guarda-livros, ele escrevia um romance. Abandonou-o quando ascendeu socialmente, tornando-se sócio da casa Teixeira & Irmão. Sintomaticamente, a razão social da firma não mudou.
Morto Adrião, Luísa perdeu o encanto que tinha porque ela era apenas o elemento através do qual Valério fazia uso de sua juventude para colocar-se acima do patrão, velho e coxo. Depois de sócio, desinteressa-se também pela literatura. Todo o recalque social do protagonista, enfim, vem à tona.
Valério, no final, descobre-se apenas um selvagem feito da mesma matéria de que eram feitos os índios sobre os quais escrevia. Os Caetés, apesar de ferozes, perderam a guerra contra os portugueses, chafurdando numa briga encarniçada em que derrotaram apenas a si mesmos e as Luísas e Adriões que cruzaram seus caminhos.
S. Bernardo
S. Bernardo envolve o regime fundiário e os conflitos sociais no Nordeste brasileiro. Estilo simples e conciso dão a tônica do romance.
Nele, como No Caetés, há uma transição entre o Naturalismo e O Modernismo. Graciliano expõe Paulo Honório como fruto do meio. Haja vista, que no início ele é um homem descrito como belo. À medida em que sua ambição o leva a trabalhar em ocupações rudes, transforma-se num homem cujas feições e o comportamento tornam-se, também, rudes. Aí está o Naturalismo.
Ao propor questões ideológicas como a exploração do homem pelo próprio homem, ao dar ao padre conotações revolucionárias, ao expor as mazelas dos desfavorecidos pela sorte e ao empregar uma linguagem simples, próxima à oralidade entra em concepções puramente modernistas.
A grande verdade é que a história é narrada de forma magistral. S. Bernardo é um livro que merece ser lido.