Samara 13/01/2024Uma literatura opacaIsso é literatura. Foi o que fiquei pensando enquanto relia "Moderato Cantabile", da Marguerite Duras. Não sei por que pensei nisso, tem a ver com um certo jeito enigmático dos personagens.
O livro conta a história de Anne Desbaresdes, mulher que assiste à aula de piano do seu filho com amor e ternura pelo menino desobediente. É nesse momento que ouvem um grito: uma mulher foi morta por seu amante.
No dia seguinte, Anne Desbaresdes vai ao café onde a mulher morreu para descobrir o que houve e, acompanhada de vinho, conversa com um homem a respeito dos amantes daquela história trágica. A cada dia, eles se encontram, bebem, imaginam a narrativa passada, a cada página nós acompanhamos, buscando entender o que Anne e Chauvin (mais tarde descobrimos o nome do homem) estão verdadeiramente sentindo, pensando. Eles estão mesmo imaginando a história de estranhos ou falam de si mesmos? Ou ambas as coisas?
Somos observadores assim como a narradora, assim como a dona do café, da história de Anne, e tentamos preencher lacunas assim como ela procura entender o percurso da mulher que morreu e seu amante.
A literatura que eu gosto é a literatura que me faz pensar, que invoca minha participação na construção da história, pois nem tudo está exposto. Uma literatura opaca. Uma literatura que se descobre (levanta uma camada de cobertura) a cada releitura.
Acho exagero dizer que uma literatura descoberta, transparente, revelada, não seja literatura, mas não é a que eu procuro, nem na escrita, nem na leitura. Duras nunca decepciona. ?
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