Pablo Paz 12/09/2021
Poesia sensual
Há tempos resolvi ler a poesia de Mário de Andrade (1892-1945) porque queria ter uma visão de conjunto de sua lírica. Ele publicou oito livros de poesia. O que me chamou a atenção é que para além do vanguardismo e dos inúmeros temas que abordou, sua poesia como um todo é bem sensual, erótica, homoerótica até, ainda que não tenha explicitamente essa intenção. Um exemplo é o poema "Moda dos quatro rapazes":
"Nós somos quatro rapazes
Dentro duma casa vazia.
Nós somos quatro amigos íntimos
Dentro duma casa vazia.
Nós somos ver quatro irmãos
Morando na casa vazia.
Meu Deus! si uma saia entrasse
A casa toda se encheria!
Mas era uma vez quatro amigos íntimos...".
Muitíssimos dos poemas tem o 'espírito' desse aí. Como escrevia muito em prosa - conto, crônica, romance, artigo, crítica musical, cartas (é um dos maiores epistoleiros da língua portuguesa) - acho que deixava a poesia para extravasar toda a sua libido, todo o seu (homo)erotismo reprimido. Não estou reduzindo a sua produção poética a isso apenas; só aponto algumas impressões de leitura. Sempre me impressiona a tacanhez e o moralismo pequeno-burguês da maioria de seus estudiosos que silencia sobre seu homoerotismo. É uma faca de dois gumes que o primeiro contato de muita gente com sua obra é via vestibular: se de um lado apresenta o autor para novas gerações, por outro o reduz ao status de chato, academicista e pedante, tirando o vigor de sua obra. E é uma pena porquanto o que sua poesia mais tem é vida, vigor, cidade pulsando. Se ele vivesse no mundo de hoje, estaria bem à vontade para falar abertamente sobre isso, já que sua época não estava à sua altura. Seria feliz e estaria poetizando mais um tema, a sexualidade em Sampa, "cidade Arlequinal!" como ele a definia.