Carla Beatriz 18/11/2014
Trechos
A violência me oprime e me deprime. Imaginar um mundo com violência sobeja é no mínimo ficar perplexo diante da pouca sensibilidade humana frente ai campo de delícias que se avista por aí (p.11)
Na política, o vício da ganância continua me incomodando. Por que aqueles que chegam ao poder por mandato popular ou pela confiança dos eleitos não se despem de interesses menores em benefício de um sonho coletivo? Por que os interesses individuais são tão fortes a ponto de desmerecer o projeto de nação, de povo, de coletividade? É lugar-comum a indignação diante da corrupção e da incompetência frente ao que é de todos. Os personalismos, filhos da ganância, impedem que as mulheres e os homens que ocupam esses cargos continuem as políticas púbicas implementadas por seus antecessores. Falta maturidade para compreender a transitoriedade do poder. É um tempo apenas. E um tempo que passa mais rapidamente do que se pode supor. E quem chega sai. E quem sai tem diante de si o desafio da consciência. O presente do passado faz com que se possa olhar para o ontem e sorrir ou lamentar diante do que foi feito e do que se deixou de fazer. Na vida pública, principalmente em um país como o nosso, que admite a pobreza e a necessidade de sua erradicação no próprio texto constitucional, a urgência é um valor essencial. Quando se deixa de fazer o que deveria ser feito, as consequências são trágicas principalmente para aqueles que vivem à margem (p.12).
Dos olhares ávidos e dos dizeres certeiros, agradeço pelo ofício que abracei. Professo que a educação é o que antevia o estagirita: o espaço privilegiado de formar para o que é correto (p. 13)
A ética não é um emaranhado de teorias que obrigam a fazer ou deixar de fazer, nem é um ordenamento rígido de padrões arbitrários. Disse anteriormente que o se humano está em construção. A ética também. Há valores e posturas que mudam com o conhecimento. É por isso que nossos dias têm mais facilidade de destruir o preconceito pela facilidade de compreensão de culturas e povos diferentes. Não se pode perdoar a intolerância frente ao diferente. Quanto mais se conhece, mais se compreendem as razões da liberdade de ser e de pensar de outra forma. A hegemonia de uma cultura sobre outra é a negação da humanidade complexamente rica. Os donos da verdade de estabelecem como um perigo para a paz. (p.14)
O bem é a finalidade da ética. O respeito, o seu maior representante. Não há como ser ético sem respeitar o outro, seu pensamento, sua história, suas posses. A cultura é a identidade de um povo, e há tantas porque há muitos povos que foram sendo construídos com o passar dos anos. Qual a melhor cultura? Qual o melhor povo? Não há. Ou, se há, é aquele que respeita os demais (p. 15)
É a regra de ouro - não fazer ao outro o que não gostaria que fizessem a mim; fazer ao outro o que gostaria que fizessem a mim - que define a postura ética de comportamento (p. 15).
O importante não é o estabelecimento de uma sociedade perfeita, mas de uma sociedade em que os erros sejam corrigidos, em que os desequilíbrios sejam cuidados para que a covardia não oprima aqueles que têm menos condições de se defender. E a lei sozinha não resolve essas questões. É preciso uma disposição do homem, que vem do hábito de ser correto, para que a justiça seja construída. É um movimento interno. Uma compreensão de que não é possível ser justo comigo e injusto com o outro (p. 16-17).
A amizade é a necessidade de troca de afetos e de aprendizagem. Aristóteles chega a dizer que, quando a amizade é perfeita, não há necessidade de justiça porque não há amizade injusta. Estamos falando das amizades como excelência moral, e não das amizades por interesse ou prazer. Amizade que nos ensinam a respeitar e amar. Amizades que perpassam momentos difíceis ou grandiosos e que estão de mãos enlaçadas mesmo distantes. Que apontam entardeceres que perdemos o hábito de contemplar e também as sujeiras incômodas que nos esquecemos de limpar (p.17).
Aos leitores, amigos e cúmplices que comungam dos ideais da ética, uma derradeira observação: é preciso contemplar e transformar. A contemplação nos eleva e nos ensina a perceber o outro. O outro e as suas necessidades. O outro e o cuidado e o respeito que ele merece. Não se pode perder a capacidade de indignação diante do desrespeito à pessoa humana. Os crimes covardes praticados no esconderijo do lar demonstram uma sociedade que não se desvencilhou da bestialidade explicitada por Aristóteles. Somos bestiais quando invadimos o outro e arrancamos dele o direito ou o direito de viver com dignidade. E somos omissos quando fingimos que nada disso existe ao nosso redor. A tortura parece coisa do passado, mas não é. O machismo, o racismo, o sectarismo, a arrogância são vícios que enfeiam a vida. É preciso transformar. O mundo e a paisagem abaixo da janela. Confio na ação humana como poderosa para fazer o que tem de ser feito. Sem esperar do outro. Tenho sempre a ilusão de que cada pessoa melhor há de repercutir nos bilhões que vivem por aí. Um pai melhor pode significar uma família melhor. Um político melhor será um sinal para tantos outros que virão. Um jogador de futebol, um artista, um jornalista que tem visibilidade, vez e voz constituem sinais de reerguimento da grandeza humana. Sem a utopia de uma transformação que venha de fora para dentro. Quem tentou isso sacrificou vidas e só fez o mal. O amor é a força motriz da ética. Quem ama cuida, respeita, acolhe, faz o bem. E é de amor, em última análise, que fala este livro, como tantos outros que meu ofício de escritor me concede. Cada um de um jeito, mas todos com o intento amoroso de construir um mundo melhor ou, por que não, uma pessoa melhor (p.17-18).
Se imaginais que, matando homens, evitareis que alguém vos repreenda a má vida, estais enganados; essa não é uma forma de libertação, nem é inteiramente eficaz, nem honrosa; esta outra, sim, é mais honrosa e mais fácil: em vez de tampar a boca dos outros, preparar-se para ser o melhor possível - Platão, Apologia de Sócrates (p. 31)
A perda do sonho leva ao desperdício do talento. A perda do sonho leva ao comodismo e à corrupção; quem não sonha se converte em perigo para si e para a sociedade, porque já não tem mais o que ganhar ou perder (p. 37-38)
É possível errar de várias maneiras [...], ao passo que só é possível acertar de uma maneira (também por esta razão é fácil errar e difícil acertar - fácil errar o alvo, e difícil acertar nele); também é por isso que o excesso e a falta são características da deficiência moral, e o meio-termo é uma característica da excelência moral. - Aristóteles, Ética a Nicômaco, livro 2 (p. 38)
[...] a ética exige necessariamente a companhia de sua irmã, a política (p.39).