Cynthia 26/11/2011Identidade?Sou, e sempre serei, suspeita a falar sobre qualquer livro do Milan Kundera. De longe um dos meus escritores estrangeiros favoritos, e olha que sempre preferi literatura brasileira, principalmente aqueles que a gente estuda no ensino médio: Machado de Assis, Lima Barreto, Raul Pompéia, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e, claro, jamais poderia me esquecer da inspiradora e introspectiva Clarice Lispector.
Mas esse é um escritor que merece atenção. Autor também de um livro cujo título é bastante conhecido, A insustentável leveza de ser, e de outro que gosto muito, A valsa dos adeuses, Kundera, original da Tchecoslováquia, é um dos poucos escritores homens que já li que conseguem descrever e incorporar a personalidade de suas personagens femininas de uma forma que eu quase me vejo como uma delas e me apaixono a cada palavra. Não que essa seja a real função da Literatura, mas, querendo ou não, vemos um pouco de nós e do mundo que nos rodeia em tudo o que lemos, assistimos e presenciamos.
É justamente essa intimidade do imaginário feminino que está estampada nas páginas de A identidade. Um livro fino, de poucas páginas, fácil de ler. Não diria tão fácil quanto à forma de escrever as palavras, as expressões e os períodos, mas fácil pela fluidez das ideias e da forma como você consegue se entrosar com a leitura. É uma leitura gostosa, cujo trabalho com o psicológico te faz entrar no mix de ideias e pensamentos de uma mulher já não tão jovem e, nos seu próprio consciente, nem sempre mais tão atraente. Chantal (personagem principal) se encontra no que chamaríamos de "crise de identidade". Começa a se perguntar porque os homens já não a vêem como antes e também se questiona sobre a vida que têm levado ao lado do homem que a ama. Suas dúvidas, seus anseios e o seu desejo de se descobrir enquanto mulher e de explorar sua atração tornam cada instante vivido por ela uma curiosidade doce e também um pouco do que nós mesmas cultivamos por dentro. Chantal se joga de cabeça nas suas dúvidas e nas suas próprias curiosidades: em um momento em que já não acreditava mais no seu poder de sedução, uma pequena chama de egocentria e autoestima se acende ao receber cartas de um admirador anônimo. Quem seria esse admirador? Como essa admiração mexe com ela? Seria capaz de deixar seu relacionamento estável, monogâmico e socialmente aceito com Jean-Marc para buscar esse admirador? Aliás, mais do que apenas correspondências e promessas de uma admiração verdadeira: é uma busca por sua personalidade, quem ela realmente é, como realmente se sente e pensa. Apesar de toda essa reviravolta de conceitos, a história, as reflexões e as conclusões intrigantes sobre a vida e a personalidade, nada mais são do que uma tentativa de alcançar a proposta do próprio título: uma identidade.