jota 10/09/2015Geografia humana e física...Muito bom ler outro livro de Charles Frazier, autor de Montanha Gelada, ganhador do National Book Award de 1997, uma história inesquecível passada durante a guerra civil americana. Em Floresta Noturna estamos de volta aos Montes Apalaches, cenário daquele livro, para outra história envolvente. The Washington Post classificou-a como “fantástica” e o londrino The Times disse tratar-se do melhor dos livros dele. Um pouco exagerados, mas esses e outros elogios procedem, de fato.
Passada no início dos anos 1960 a história traz, do mesmo modo que Montanha Gelada, “cuidadosas descrições da passagem do tempo e da natureza”. E a edição brasileira destaca: “além de retratar as paixões e frustrações humanas, o autor constrói um romance onde a emoção se funde com o medo.” Ao bucolismo das paisagens montanhosas aos poucos vão se juntando elementos de um thriller psicológico.
Não à toa Frazier abre o livro com uma citação de um antigo filósofo grego, Arquíloco (século sétimo a.C.): “Até para cruzar um rio é preciso pagar um preço.” A vida simples e calma que a protagonista Luce (ou Lucinda) levava num rústico e relativamente isolado chalé nos Apalaches está com os dias contados; seu isolamento se deve a algo de muito ruim ocorrido anos antes.
Luce recebe ali, entregues por agentes do Estado, seus pequenos sobrinhos gêmeos, Frank e Dolores, filhos de sua irmã Lily. Eles presenciaram o padrasto Bud matar Lily depois de uma discussão. Traumatizadas, se tornaram arredias e praticamente não falam. Bud foi preso, mas depois inocentado numa decisão judicial tendenciosa. Agora está atrás dos gêmeos: acredita que eles sabem onde a mãe escondeu uma pequena fortuna em dinheiro, proveniente de um assalto que ele praticou tempos atrás.
Bem depois da metade do livro tem início uma reaproximação de Luce com um amigo da juventude, de sobrenome Stubblefield, o herdeiro do chalé que ela habita com os gêmeos, mais por interesse dele do que dela. Frazier aborda esse enamoramento vagarosamente, com classe, sem pieguice, arroubos ou outras tolices utilizados por ficcionistas de talento raso. Na trilha sonora música country antiga, mas também Miles Davis e seu Kind of Blue, que Stubblefield ouve centenas de vezes.
Todavia o perigo está lá fora, à espreita na floresta o tempo todo. Todos podem estar na mira do insano Bud. E incêndios ocorrem... Então o leitor fica preso na poltrona com o livro nas mãos: não consegue largá-lo. Especialmente depois que Bud ameaça Luce num bar e ali mesmo fere Stubblefield com uma faca. Seu próximo passo é ficar frente a frente com os “retardados”. Que é como apelidou as crianças. Luce e Lily são “cadelas” para ele.
Outro crime vai acontecer, mas não tão rapidamente. Antes, Frazier conta outras histórias, introduz outros personagens (destaque para o guarda florestal Lit e para Lola, a mãe de Luce e Lily) e, sobretudo, se estende escrevendo sobre a natureza. Fala das plantas, dos animais, dos rios e lagos, das montanhas, da relação do homem com o ambiente. E quase sempre faz isso de modo bastante poético, cativante.
Então é difícil não apreciar um livro assim. Se Floresta Noturna lembra algumas obras de Cormac McCarthy, como disseram certos críticos, também parece ter parentesco com os escritos de Willa Cather e em menor escala com os de William Faulkner. Escritores que valorizam não apenas a geografia humana, também a paisagem natural.
Lido entre 07 e 10/09/2015.