As palavras e as coisas

As palavras e as coisas Michel Foucault




Resenhas - Historia da sexualidade O uso dos prazeres


1 encontrados | exibindo 1 a 1


Erick 30/03/2021

sobre a gênese das humanidades
A obra de Michel Foucault “As palavras e as coisas”, publicada em 1966, representa, por assim dizer, o ápice do projeto arqueológico do filósofo francês. Tal projeto já estava em processo desde suas pesquisas anteriores, associadas aos discursos normativos sobre a loucura e o nascimento da clínica. A obra de 66 tem o seu complemento metodológico em “A arqueologia do saber”, mas é ela que atingiu a maior popularidade entre o público não-filosófico e, entre os pares, assombrou pela ousadia e vastidão de argumentos.
A obra toma três áreas como sintomáticas das transmutações arqueológicas que os sistemas de pensamento vem sofrendo desde o Renascimento: a biologia, a economia política e a filologia. Não à toa, são as áreas que fundamentam o discurso das ciências humanas: a primeira por colocar o ser humano em seu devido lugar na história natural, a saber, o lugar de apenas mais uma espécie numa vastidão delas que mais é transformado pelo espaço em que vive do que o modifica; a economia política, que, a partir da análise das riquezas, compreende a importância das trocas mercantis na interação entre os povos; e, por fim, a linguagem, que torna-se um objeto científico tão intrínseco a nossa espécie por ser ela a responsável por representarmos nosso pensamento.
É notável o modo como Foucault articula seu argumento de que cada época possui uma epistémê específica e que é tomada como condição de possibilidade para que os saberes sejam organizados e articulados, desde o renascimento no século XV, passando pela Idade Clássica nos séculos XVII e XVIII, até a Modernidade no século XIX - tudo isso compreendido numa interpretação linear bastante peculiar e específico da filosofia ocidental .
A Idade Clássica, nos séculos XVII e XVIII, instaura um procedimento de análise do pensamento através daquilo que o representa: a linguagem. Denominada de ‘Gramática geral’, por estudar a ordem das palavras no interior do discurso (sintaxe) e suas relações mais imediatas de significação (semântica). “A linguagem é análise do pensamento: não simples repartição, mas instauração profunda da ordem no espaço” (p. 114). Tal instauração não é questionado no seu modo de significação, pois a representação que a linguagem operava não era questionada na sua capacidade de representar, como se a linguagem pudesse funcionar como um espelho do mundo. Nesse momento da epistémê clássica, o poder da representação é absoluto, nada é dado que ela não possa representar. Tanto que se postulava, no século XVII, sobre a possibilidade de uma linguagem universal e a univocidade da língua, questões que logo serão deixadas de lado pela sua fragilidade e inocência. A relação de complementação e crítica existente entre a linguagem e o conhecimento justifica-se tendo em vista que nenhum filósofo do XVII recebe de bom grado uma linguagem pronta, mas faz questão de criticá-la antes de erigir seu sistema.
De fato, o século XVII conferia uma confiança irrestrita no poder de representação da linguagem - mas não de qualquer linguagem. Cada filósofo confiava demasiadamente na sua linguagem, de modo que o seu vocabulário filosófico seria o que mais adequadamente representaria o real. Basta observarmos, como um exemplo pontual, a noção de substância nos três principais sistemas metafísicos do XVII e o modo como cada pensador criticava o vocabulário dos demais, no sentido de mudar a compreensão do conceito, mas sem questionar o poder representativo da linguagem. Para Descartes, a substância padecia de uma duplicidade: ela deveria ser concebida como res extensa e res cogitans. E a união substancial no homem se dava pela glândula pineal, localizada no cérebro humano. Espinosa ridicularizou a glândula cartesiana dizendo não perceber nenhuma clareza e evidência nessa noção, mas manteve a necessidade da substância como conceito operador de sua metafísica, tornando-a imanente, o que significa que Pensamento e Extensão - agora, não mais substanciais - são atributos da substância única (Deus sive Natura). Já Leibniz, criticando seus predecessores, transformou a substância em mônadas – individuais por definição -, enteléquias que espelham e percebem o universo infinito. Todo o debate metafísico sobre a natureza da substância se dava no nível conceitual, de disputa pelo sentido, mas nunca no nível da linguagem, já que não se questionava sobre seu poder de representar. Afinal, ela representa o pensamento como o pensamento representa a si mesmo.
Nesse sentido conhecimento e linguagem estão estritamente entrecruzados, pois, embora soberana, a linguagem não é pura representação, mas representa uma certa ordem que determina o sentido e a organização do que ela representa. A linguagem é um repositório de conhecimentos predispostos num sistema de signos que, ao mesmo tempo em que a falamos, internalizamos a sua significação. “É num mesmo movimento que o espírito fala e conhece, é pelos mesmos procedimentos que se aprende a falar e que se descobrem os princípios do sistema do mundo ou do sublime nos nossos conhecimentos” (p. 120).
No século XVII, é a “Gramática” de Port-Royal que melhor articula as relações entre linguagem e conhecimento e que analisa a simultaneidade da representação. O próprio subtítulo da obra já denuncia seu propósito: “contém os fundamentos da arte de falar”, ou seja, é uma gramática que está preocupada não apenas com o aspecto filosófico da linguagem – a epistémê ainda não o permite -, mas com o aspecto prático da fala, da expressão. O aspecto da função representativa está presente desde o primeiro parágrafo da obra, pois “falar é explicar seus pensamentos por meio de signos que os homens inventaram para esse fim”. Ou seja, a fala representa o pensamento e nada lhe escapa, todos os conteúdos do pensamento são expressos pela linguagem.
Nos seis primeiros capítulos da primeira parte do livro, trata-se do signo “naquilo que ele tem de material” (o som e os caracteres) – o que a moderna linguística chamará de significante. Na segunda parte da obra, inicia-se a investigação sobre a significação da linguagem, “àquilo que ela tem de espiritual” (p.29). Para eles, a linguagem serve para dar a conhecer o que se passa em nossos pensamentos, quer dizer, suas operações, que são três: conceber, julgar e raciocinar. Tais operações organizam na representação as proposições, compostas de sujeito, atributo e cópula. Sujeito e atributo (ou acidente) constituem como que a substância da proposição, “aquilo que subsiste por si próprio no discurso”. A cópula é a modalidade, o modo de significar o que é dito do acidente sobre o sujeito, que é função do verbo nas línguas discursivas, estando sempre implícito, como aponta Foucault, o verbo ser. “O verbo ser, misto de atribuição e afirmação, cruzamento do discurso com a possibilidade primeira e radical de falar, define a primeira invariante da proposição, e a mais fundamental” (p.135). É exatamente esse verbo que articula a proposição, que constitui o liame entre o falar, conhecer e o representar. É sua instituição que organiza a oração – antes e após ele se colocam os termos que ele põe em relação.
O século XVIII, entretanto, anuncia uma nova questão: “Como pode o discurso enunciar todo o conteúdo de sua representação?”. Tal questão postula-se na esteira das investigações sobre as origens das línguas – conforme os empreendimentos de Rousseau e Smith – e no estudo das diferenças entre os povos – o que poderíamos denominar como ‘prelúdio da antropologia’. Mas é com a comparação entre as gramáticas, não com sua análise, que os oitocentistas promoveram uma ruptura entre a linguagem e a representação, já que se descobria que nem toda língua tem como função prioritária a representação do pensamento, mas expressar o espírito de um povo, de uma época, como o sânscrito na tradição indiana, por exemplo. Há nesse momento histórico, segundo Foucault, a ruptura da ‘função representativa’ da linguagem, que as ciências da linguagem captaram com algumas especificidades.
O nascimento da filologia reside não na análise da linguagem, mas da comparação entre as línguas. O século XVIII obteve um grande êxito na análise da linguagem com pensadores como Rousseau, Condillac, Smith – a sua origem, fundamento, operação e conexão com o pensamento: ou seja, a linguagem tomada na sua função representativa. Na passagem do XVIII ao XIX, por assim dizer, a linguagem dá um salto para fora das funções representativas. “O conhecimento clássico era profundamente nominalista. A partir do século XIX, a linguagem se dobra sobre si mesma, adquire sua espessura própria, desenvolve sua história, leis e uma objetividade que só a ela pertencem” (FOUCAULT, 2016, p.409). A linguagem torna-se um objeto científico. O modo de conhecê-la modifica-se completamente através de um nivelamento que a linguagem sofre perante os outros objetos científicos, quer dizer, até então, a linguagem era compreendida na sua neutralidade representativa.
A ruptura que promove a transmutação arqueológica na ordem da representação linguística e que concede um limiar de positividade a este novo objeto científico que constitui a gramática comparada e a descoberta da historicidade das línguas deve-se, segundo Foucault, a Grimm, Schlegel, Rask e Bopp. Nesse sentido, a descoberta do tronco linguístico indo-europeu é o ápice desse processo, pois é aqui onde encontramos “o estudo das flexões, a formação das leis de alternância vocálica e mutação consonântica” (p.388).
Quatro segmentos assinalam a transmutação arqueológica e a condição de possibilidade para o surgimento da filologia, são eles: Em primeiro lugar, a estrutura interna das línguas e as distinções e similitudes entre elas. Para Foucault, todos os elementos que caracterizam a linguagem na Idade Clássica, como a ordem das categorias sintáticas, a disposição das palavras, a precedência do sujeito lógico e a proporção entre os sons “concerniam à maneira como elas podiam analisar a representação” (p.390). A partir de Schlegel e sua obra sobre a língua e filosofia indianas, toda a tipologia das línguas define-se pela articulação dos elementos verbais que não necessariamente submetem-se a função representativa e que concedem a esta língua um ‘espaço gramatical autônomo’, como por exemplo o sistema das flexões e as formas radicais que caracterizam uma ‘espécie de gérmen vivo’ da língua. A vivacidade e dinâmica de uma língua mede-se também pela sua capacidade de reorganização semântica no interior de um campo de possibilidades novos.
Em segundo lugar, o estudo das etimologias e as variações internas que indicam as metamorfoses e modificações que o alfabeto e os sons podem sofrer, o que significa que, doravante, a linguagem pode ser tratada como “conjunto de elementos fonéticos(…) todo o ser da linguagem é agora sonoro” (p.395). Isso que podemos denominar o ser da linguagem deixa de ser signo (que opera a representação do pensamento na linguagem) e passa a ser vibratório, levando em consideração todo o conjunto vocálico dos falantes, distinguindo as guturais, as cerebrais, dentais e palatais e concedendo certa vitalidade à linguagem.
O terceiro segmento apontado por Foucault que marca a gênese da filologia é o que ele chama de “uma nova teoria do radical”, não mais assinalada, como na época clássica, pelo sistema de cruzamento de vogais e consoantes, mas pelos elementos internos à língua: “existem meios puramente linguísticos para estabelecer sua composição constante e a tabela de suas modificações possíveis” (p.398). O estudo das raízes de significação verbal tornou mais complexa a organização da proposição clássica, que ordenava pela lógica ‘nome-verbo ser’, possibilitando a conjugação de substantivos e verbos pelo acréscimo das desinências. De fato, no limiar do nascimento da filologia, a linguagem adquiria uma vitalidade complexa: “Ela não é mais um sistema de representações que tem poder de recortar e recompor outras representações; designa, em suas raízes mais constantes, ações, estados, vontades” (p.401)
O quarto segmento, decorrente da análise das raízes, é a definição dos sistemas de parentesco entre as línguas, proporcionado pela introdução da historicidade no domínio das línguas. A gramática geral apenas admitia uma continuidade entre as línguas através da discursividade vertical e da horizontalidade das representações. Tal atitude não permitia uma comparação entre as línguas – apenas de modo indireto – pois as restringia a sua função representativa, de análise, decomposição e recomposição do discurso. É nesse solo arqueológico que se começa a apontar as similitudes entre as línguas ocidentais e orientais e postula-se o ‘indo-europeu’ como uma hipótese histórica para o surgimento de diversas línguas.
É a partir de Bopp que se colocam em comparação as estruturas das línguas: “basta estudar as modificações do radical, o sistema das flexões, a série das desinências” (p.403). Tal comparação, entretanto, apenas as agrupava em conjuntos descontínuos, pois era a própria função representativa da linguagem que estava em jogo – não é possível reportar uma língua aos princípios de uma outra: ao mesmo tempo em que a comparação demonstrava a profunda semelhança de raízes, da estrutura interna e das gramáticas, descobria-se que cada povo expressa seu espírito no modo de falar, de escrever e representar o mundo: “é o espírito do povo que as faz nascer” (p.401).
A descoberta do tronco linguístico indo-europeu, decorrente da gramática comparada e da introdução da historicidade das línguas, é o evento que coroa a mutação arqueológica do conhecimento filológico. Certamente, os dois nomes que estão na vanguarda epistemológica desse processo são Friedrich Schlegel e Franz Bopp, e suas obras sobre o sânscrito.
O século XVIII assistiu, além de todas as mutações epistêmicas apontadas por Foucault, um fenômeno no âmbito político que se articula com elas: o imperialismo. A Grã-Bretanha, grande potência econômica de então, expandia seus domínios coloniais aos quatro cantos do mundo, dos quais a Índia foi um deles. Fazia parte dessa expansão a instalação de ferrovias, o domínio comercial e a imposição de novas relações sociais. Tais relações estavam subordinadas a qualidade dos homens que as instaurava. Certamente, o homem que mais contribuiu para uma mútua compreensão entre esse novo mundo onde os britânicos chegavam foi Sir Willian Jones, juiz na cidade de Calcutá, fundador da Sociedade Asiática e que traduziu uma série de obras sobre a língua e literatura indianas, como a peça teatral ‘Shakuntala’, de Kalidasa, o ‘Manavadharmashastra’, mais conhecido como ‘As leis de Manu’ (código de leis que regem a sociedade hindu) e o ‘Gitagovinda’ (reunião de contos sobre Krshna).
Outras duas figuras de suma importância para a popularização do sânscrito são os também britânicos Charles Wilkins, tradutor da ‘Bhagavadgita’, o principal livro da religiosidade hindu, e do livro de fábulas ‘Hitopadesha’; e Colebrooke, o primeiro a publicar uma gramática científica baseada no modelo do grande gramático da antiguidade indiana Panini. Ambas são publicações do final do século XVIII, ou seja, havia um profundo desconhecimento sobre a língua e a vida dos povos orientais. São essas traduções que aproximam culturalmente os povos, para além da atitude de império colonial assumido pelos britânicos no XVIII.
Mas é a partir de “Essai sur la langue et la philosophie des Indiens” (1808) de Friedrich Schlegel, que os estudos sobre a profundidade do espírito indiano ganham vastidão. Para Schlegel (1837, p. 61), do mesmo modo que o renascimento italiano dos séculos XV e XVI estava calcado no estudo da antiguidade clássica greco-romano, a sua época estava marcada por um novo renascimento, agora marcado pela descoberta da sabedoria oriental, fundamentada no estudo do sânscrito e da literatura indiana. De fato, o século XVIII assistia convulsões no campo religioso, científico, político e artístico. O Iluminismo enquanto movimento de racionalização da civilização ocidental teve como contraparte filosófica a aproximação com as culturas orientais, o que contribuiu para a sensibilidade filosófica sobre a questão “que é o humano?”.
Todo o romantismo alemão se confrontou com essa questão não a partir da racionalidade iluminista, mas através da sensibilidade, investigada no campo da estética e da linguagem por Schlegel. O estudo da língua implica no mergulho no espírito do povo que fez nascer aquela língua, uma vez que “O que nos deixam as civilizações e os povos como monumentos de seu pensamento não são tanto os textos, mas sim a discursividade de sua linguagem” (p. 121). A língua sânscrita possui uma discursividade que dialoga ao mesmo tempo com uma lógica rígida das composições nominais, e com uma poética implícita, já que não podemos esquecer que é uma língua que nasce emaranhada com os cantos (mantras) do Rg Veda, o livro mais antigo da civilização indiana. Isso porque o modo como cada povo organiza suas representações sobre o mundo vincula-se a sua cosmovisão: sua metafísica está implícita em todo modo de representar; portanto em todo modo de falar.
Para Schlegel, há uma assustadora afinidade do sânscrito com o latim, o greco e as línguas germânicas: raízes comuns, estrutura interna das línguas e a gramática, o que para o autor não pode ser acidental, mas aponta para uma origem comum das línguas – com uma nítida maternidade da língua indiana. Para ele, o sânscrito é a mais antiga e as demais são derivadas dela e os instrumentos que ele lança mão para demonstrar sua tese é a etimologia, o estudo das raízes e a gramática comparada.
Não é à toa que Schlegel toma a anatomia como analogia das ‘boas novas’ que anunciam o grande dia na história das ciências, uma vez que, como bem aponta Foucault, são transmutações do solo arqueológico que se afinam numa mesma melodia e que promovem uma ruptura epistêmica: é um novo modo de pensar que tais positividades expressam.
Segundo Schlegel, a conjugação verbal assinala semelhanças nas estruturas internas das línguas, como a conservação da letra “M” na primeira pessoa, “SI” na segunda e “T” ou “D” na terceira. Tais semelhanças, que incorrem desde a conjugação verbal, nas desinências até as raízes nominais, abarcam uma quantidade imensa de línguas e de povos, o que demonstra a fertilidade do estudo da gramática comparada. Outra língua que Schlegel aponta como compondo o tronco indo-europeu a partir da análise de sua estrutura interna é o persa, que compartilha tais estruturas gramaticais com a língua indiana não só pela proximidade geográfica, mas sobretudo pela história antiga das dinastias dessa civilização que remonta ao intercâmbio cultural pós desmembramento do Império de Alexandre na Bactriana.
A gramática comparada, entretanto, não constitui um estudo estéril, com finalidade de mera erudição, mas sim a vitalidade dos povos através de suas línguas e cultura, a complexidade de seu espírito. Visa, sobretudo, o estudo sobre o humano e suas representações, seu modo de ser no mundo e as conexões que sem dúvida existe, entre as civilizações. Outro fato político que não podemos esquecer é que a Alemanha, berço dos estudos comparativos - juntamente com o império britânico - nos fins do século XVIII, não havia se unificado enquanto nação. Nesse sentido, as pesquisas sobre linguagem certamente se inserem num contexto mais amplo de busca pela nacionalidade, sem dúvida ainda incipiente, vinculado com a necessidade da cultivar uma cultura e identidade nacionais. A identificação de sua língua como constituindo uma espécie de história universal dos povos contribui para esse sentimento de continuidade histórica.
Franz Bopp, diferente de Schlegel, não considera as línguas europeias como derivadas do sânscrito, mas as considera todas variações de um mesmo tronco – o indo-europeu. Mas admite que o sânscrito preserva mais perfeitamente que seus congêneres as formas gramaticais primitivas. Seguindo os rastros de Schlegel, Bopp empreende uma investigação sobre a genealogia das línguas através de sua anatomia comparativa.
Dentre as similitudes apontadas por Bopp entre o grego, o latim e o sânscrito, a primeira reside na flexão verbal da primeira pessoa do presente, em sânscrito bhavami, em grego didotai.
Há a regra eufônica que estabelece que a sibilante (s) em sânscrito mutaciona-se em “k” no grego, como na palavra “dez”: dasha (sânscrito) e deka (grego), e a raiz sânscrita drs, que significa ver, enxergar, e o grego derko.
Bopp rende elogios à composição fonética do sânscrito. Com efeito, os mantras são uma das vias de acesso ao divino nessa cultura, o que significa que o canto e a pronúncia perfeita das palavras na ordem determinada do discurso conferem certo caráter divino à língua. A gramática, portanto, é toda organizada para que os falantes fluam no interior da língua, conciliando a matemática da composição nominal com a poesia dos cantos sagrados. Afinal, o elemento-chave para a compreensão da fala indiana é o conceito de sagrado.
De todas as línguas antigas, a que Bopp atribui uma conexão mais íntima com o sânscrito é o gótico. A tradução gótica da bíblia, por exemplo, empreendida no século IV por Ulphila, traz mais semelhanças com o sânscrito que com o inglês. Outras línguas que, segundo Bopp, preservam similaridades com o sânscrito são o eslavo, o persa (farsi) e o armênio. As raízes sânscritas não são determinadas pelo número de letras, mas pelas sílabas – elas são monossilábicas de modo geral. A vogal longa “I” é uma raiz de diversos verbos que significam ir, andar, prosseguir, assim como a raiz “da” é raiz de verbos como dar, oferecer, ou a sílaba “vid” - conhecer, saber, de onde origina-se “vedas” (sabedoria), as escrituras sagradas da cultura indiana.
Tais trabalhos, como de Bopp e Schlegel, ao investigar a gênese das línguas através da gramática comparada, inauguravam uma nova positividade no âmbito das línguas, não mais apenas as analisando em termos de representação, mas penetrando nas estruturas profundas das línguas para instaurar uma nova cientificidade: a filologia.
Ao conceder importância significativa ao nascimento da filologia enquanto ciência das línguas – que precede efetivamente o aparecimento da linguística estrutural –, tal como ele também o faz em relação a biologia enquanto discurso sobre a vida e não mais apenas filosofia natural e a economia política, que deixa de ser apenas análise das riquezas mas um discurso crítico sobre a organização social e a dialética de seus elementos constituintes, Foucault anuncia o que seria a gênese epistemológica das humanidades no século XX. Ele mesmo admite ao final do livro que não abarcou outras narrativas sobre o humano, tais como a história e a psicanálise, o que não retira densidade de sua vasta argumentação.
Luara 30/03/2021minha estante
Estou acompanhando os seminários indígenas do "Tempo Aldeia" ( um modo de aula específico, porque é um trabalho voltado para a vida na aldeia, logo toda a pesquisa tem como fonte e referência a própria cultura. Durante as apresentações em momentos alternados os Tupiniquim traziam palavras no português, mas com uma significação Tupiniquim. Um exemplo do que estou falando, está na palavra "sempre", em que os mais velhos da Aldeia de Combóios em Aracruz, utilizam com o sentido diferente de toda hora, para eles dizer sempre é dizer agora. Neste caso, o uso de uma palavra ainda que do tronco do colonizador, quando usada por um determinado grupo, expressa uma cosmovisão, ou seja, a forma de pensar e agir no mundo Tupiniquim. O que quero dizer é que a língua, enquanto produtora de conhecimento ou como episteme, pode ser extrapolada no seu uso e não estou falando de agenciamento, estou falando em termos culturais, no caso um grupo social usar uma língua, mas com uma uma linguagem outra, ou seja específica a própria cultura.

Ps: obrigada pela generosidade da resenha rs


Luara 30/03/2021minha estante
Estou acompanhando os seminários indígenas do "Tempo Aldeia" ( um modo de aula específico, porque é um trabalho voltado para a vida na aldeia, logo toda a pesquisa tem como fonte e referência a própria cultura). Durante as apresentações em momentos alternados os Tupiniquim traziam palavras no português, mas com uma significação Tupiniquim. Um exemplo do que estou falando, está na palavra "sempre", em que os mais velhos da Aldeia de Combóios em Aracruz, utilizam com o sentido diferente de toda hora, para eles dizer sempre é dizer agora. Neste caso, o uso de uma palavra ainda que do tronco do colonizador, quando usada por um determinado grupo, expressa uma cosmovisão, ou seja, a forma de pensar e agir no mundo Tupiniquim. O que quero dizer é que a língua, enquanto produtora de conhecimento ou como episteme, pode ser extrapolada no seu uso e não estou falando de agenciamento, estou falando em termos culturais, no caso um grupo social usar uma língua, mas com uma uma linguagem outra, ou seja específica a própria cultura.

Ps: obrigada pela generosidade da resenha rs


Erick 31/03/2021minha estante
Nossa que top esses seminários hein...depois vou querer saber mais como foi essa experiência :)


Luara 31/03/2021minha estante
Sim foi incrível! Quando quiser ;)




1 encontrados | exibindo 1 a 1


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR