filipetv 17/02/2024
"A Insustentável Leveza do Ser" é um título magnético. Mas, ao contrário de outras narrativas, como de "O Amor nos Tempos do Cólera" ou "O Homem Que Amava os Cachorros", a do hit de Milan Kundera é refém do seu nome de batismo e, ao final de suas mais de 300 páginas, a sensação que ficou foi a de que li uma obra inacabada.
Tomas, Tereza, Sabina e (em menor medida) Franz são os protagonistas dessa obra que tem como pano de fundo a invasão soviética da então Tchecoslováquia, no intuito de sufocar a Primavera de Praga, uma série de medidas liberalizantes que o governo pretendia implementar devido ao apelo popular.
Em primeiro plano, a narrativa se debruça sobre a conturbada relação entre Tereza e Tomas, que tem várias amantes, dentre as quais Sabina, uma pintora que posteriormente teria um caso com Franz. Cada um deles tem uma relação muito particular com o sexo e com a situação do país e do mundo ao longo dos pouco mais de dez anos que o livro abarca. E não foram quaisquer dez anos, estamos falando do auge da Guerra Fria e de uma história narrada por um autor declaradamente anticomunista, que inclusive recorre a uma licença poética no mínimo controversa ao falar sobre o filho de Stálin.
O enredo fragmentado dá dinamismo à história, porém o livro é permeado por três problemas fundamentais. Primeiro: o narrador insiste em explicar conceitos milimetricamente a partir ou não das ações dos personagens, subestimando nossa capacidade de interpretação, ao ponto de, muitas vezes, fazer perguntas a si próprio pra que tenha a oportunidade de elucidá-las.
Segundo: certas reflexões metalinguísticas dão a sensação de obra inacabada, como se o autor, agora se confundindo com o narrador, explicasse para se mesmo, sem esconder de nós, os porquês de alguns eventos ocorrerem. E isso não seria um problema se fosse algo orgânico, mas é de uma artificialidade tão tremenda que dá a impressão de que o editor utilizou não só o romance, mas também algumas anotações sobre ele feitas pelo autor.
Terceiro (e principal): a insistência em repetir o título do livro, ou variações dele, o que me levou a concluir o que disse na introdução sobre a narrativa ser refém do título. Tudo isso e outras questões menores, mas não menos incômodas, minaram a qualidade dessa obra tão cultuada, que tem um final muito bonito, mas incapaz de salvar o todo.