bardo 27/04/2024
Reler A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera pela terceira vez é uma experiência curiosa. De um lado reencontrar a prosa de Kundera é sempre um prazer, acho que não tem nenhum livro dele que eu tenha lido e não tenha me encantado de alguma forma.Por outro lado a cada releitura é nítido o quanto o texto do autor, se não envelheceu mal, não é inteligível para todos.
Sei que pode soar arrogante, mas não se trata disso. O enredo e os personagens para Kundera são meros pretextos para debater ideias complexas e ele o faz em tal quantidade que é de deixar o leitor tonto. Enquanto algumas discussões são bem evidentes, outras são tão sutis que uma distração e passamos batido.
Em A Insustentável Leveza do Ser, Kundera nos propõe a oposição entre o peso e a leveza, entre a realidade e o sonho. É um embate que permeará toda a obra e o final do conflito está muito longe de confortar o leitor. É como se o autor ironicamente nos disse-se que a única “saída” é o sair de cena, o abandonar o palco, e talvez nem isso se considerarmos o desfecho de Franz.
O contexto político que envolve a trama talvez não nos seja tão familiar, ainda mais para os não familiarizados com os acontecimentos pós Segunda Guerra, mas o próprio texto encarrega-se de demonstrar os pontos essenciais.
Vale dizer que apesar do autor apontar sua crítica feroz para o comunismo, a crítica pode e deve ser extrapolada para qualquer tipo de regime autoritário. Aliás a dinâmica leveza versus peso se faz sentir aqui na esfera política, o peso capaz de esmagar e destruir o indivíduo.
Cabe ainda dizer que o leitor de hoje precisa ter um pouco de paciência para com o machismo do autor ou mais especificamente do narrador. Por mais que não seja um livro tão antigo, o mundo descrito e vivido pelas personagens guarda diferenças importantes com o nosso. Tal apelo à boa vontade estende-se para as ações por vezes incompreensíveis dos personagens.
Apesar dessas ressalvas A Insustentável Leveza do Ser é uma obra admirável que deve ser lida e relida, capaz de trazer profundas reflexões ao leitor que se dispuser a aceitá-la tal como foi concebida, incômoda e provocativa.