Carina 10/09/2013
O rupestre Manoel
O livro divide-se em três conjuntos de poemas:
1. Canção de ver:
Nos poemas desta parte inicial do livro, narra-se liricamente a história de uma "cidadezinha qualquer" (a la Drummond) e de um menino que adquire a capacidade de enxergar como um pássaro: ou seja, de ver as coisas antes do seu nome.
Muitos dos poemas trabalham com a questão da linguagem e seus limites (ou dos limites impostos pela linguagem).
Por viver muitos anos dentro do mato
moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro —
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
por igual
como os pássaros enxergam.
As coisas todas inominadas.
Água não era ainda a palavra água.
Pedra não era ainda a palavra pedra.
E tal.
As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.
2. Desenhos de uma voz
Conjunto de poemas sobre temas diversos, mas em que predominam as questões da natureza anterior à linguagem (Alberto Caeiro?) e da linguagem em si.
Os dois
Eu sou dois seres.
O primeiro é fruto do amor de João e Alice.
O segundo é letral:
E fruto de uma natureza que pensa por imagens,
Como diria Paul Valéry.
O primeiro está aqui de unha, roupa, chapéu
e vaidades.
O segundo está aqui em letras, sílabas, vaidades
Frases.
E aceitamos que você empregue o seu amor em nós.
3. Carnaval
Difícil falar de um tema que predomine neste conjunto, mas aqui encontramos alguns poemas eróticos memoráveis.
Pêssego
Proust
Só de ouvir a voz de Albertine entrava em
orgasmo. Se diz que:
O olhar de voyeur tem condições de phalo
(possui o que vê).
Mas é pelo tato
Que a fonte do amor se abre.
Apalpar desabrocha o talo.
O tato é mais que o ver
É mais que o ouvir
É mais que o cheirar.
É pelo beijo que o amor se edifica.
É no calor da boca
Que o alarme da carne grita.
E se abre docemente
Como um pêssego de Deus.