Erich 12/04/2024
Um livro sobre o Afeganistão escrito por uma norueguesa. Ela tenta contar a história sem interferir nela, mas naturalmente temos sua opinião e seu modo de ver o mundo dentro da narrativa.Um livro sobre o Afeganistão escrito por uma norueguesa. Ela tenta contar a história sem interferir nela, mas naturalmente temos sua opinião e seu modo de ver o mundo dentro da narrativa, é difícil escapar disto.
Ao longo do livro acompanhamos as contradições (segundo um olhar ocidental) inerentes à sociedade afegã e presentes na família que foi acompanhada. Um livreiro que não dá oportunidade para os filhos crescerem como independentes. Mulheres letradas que são impedidas de usarem suas capacidades. Acompanhamos as contradições inerentes à sociedade muçulmana, como colocar a família e o clã como prioridade e - simultaneamente - não ver problema em expulsar da família ou matar alguém por questões bobas. Ao mesmo tempo que vemos comportamentos que classificaríamos como absurdos, como pedofilia e estupro, sendo encarados com normalidade.
Parte disto, pela região e pela religião, eu já esperava. O que me chamou atenção aqui foram alguns outros relatos.
Primeiro, sobre a opinião das mulheres. Pois vemos um pouco melhor a visão delas, o desejo de se ver livre da burca, (apesar de que eu fico na dúvida até que ponto isso são as mulheres ou a autora falando), o desejo por uma independência (trabalhar, não ser obrigada a se casar, não ser escrava da família) e - principalmente - a rebeldia escondida. A rebeldia está presente, por exemplo, no simples ato de pintar as unhas quando isso é completamente proibido pelo talibã. E de modo mais poderoso, em poesia que é passada de mulher a mulher, de escrava a escrava.
Pessoas cruéis veem um velhinho
a caminho da minha cama
e ainda me perguntam por que choro e arranco os cabelos
Meu Deus! De novo me mandastes a noite escura
e de novo tremo da cabeça aos pés
por ter que subir na cama que odeio.
Segundo, o homem como escravo do homem. Apesar disso ser uma prisão muito menor, vemos a trajetória de Mansur, filho de Sultan, que é impedido de fazer o que deseja e precisa seguir a vida escolhida pelo pai. E, além disto, acompanhamos uma "jornada de redenção" do Mansur, quando aparentemente ele desperta para a religiosidade.
A água diz ao impuro? 'Venha cá.' / O impuro respode 'Tenho vergonha.' / A água replica: 'Como poderá se purificar dos seus pecados sem mim?'
Finalmente, pela visão de transformação da sociedade afegã. Que antes de se afundar em guerras sonhava com um futuro próspero. Isso é tocado em pequenas partes da narrativa, ao comentar da paisagem do país antes das tragédias.