A versão de Barney

A versão de Barney Mordecai Richler




Resenhas - A Versão de Barney


5 encontrados | exibindo 1 a 5


Karen 11/12/2021

Puro deboche
Esqueça o filme, leia o livro.
Barney é puro deboche (inteligente) e perspicácia - que irá render boas gargalhadas em meio a leitura.
De um menino ingênuo e sem malícia até um homem de faro para os negócios e sensibilidade para identificar as pessoas como elas são.
"Deixe-me despedir-me com dois versos de W. B. Yeats, que vêm bem a calhar: 'Os melhores carecem de convicções, ao passo que os piores estão cheios de intensidade e paixão'. E assim era, segundo me parece, naquela época.".
comentários(0)comente



jota 29/07/2021

ÓTIMO: escrita elegante de Philip Roth + comicidade de Woody Allen + escracho de Groucho Marx, mas pleno desfrute do livro exige paciência do leitor
Lido entre 05 e 28/07/21. Avaliação da leitura: 4,8/5,0

Em 2013 tomei conhecimento da literatura de Mordecai Richler (1931-2001), escritor canadense de ascendência judaica, quando li Joshua Então e Agora (Francisco Alves Editora, 1982). Um livro bastante engraçado, que mesmo sendo ficção, alguns críticos afirmavam versar sobre a própria família do autor, cuja auto-ironia ele acabava levando ao extremo. Com A Versão de Barney (1997), seu décimo e último livro, saudado como o melhor de sua obra, a coisa também caminha nesse sentido. Ao lado de alguns traços que parecem ser semi-autobiográficos, temos generosas doses de humor inteligente e um tanto escrachado, como se pode ler em alguns trechos transcritos mais adiante. Num deles, o personagem central Barney Panofsky, amante de hóquei, fumante e bebedor inveterado, agora um idoso um tanto esclerosado, dá sua poética versão sobre a morte do pai. Não apenas sobre esse fato, como veremos ao longo das quase quinhentas e oitenta páginas do volume, mas sobre muita coisa, quase toda sua vida.

Na resenha que fez para a Folha de São Paulo em 2008 Noemi Jaffe avaliou o livro como ótimo e destacou: “Um dos segredos dessa narrativa digressiva e gaga é justamente a doença e a falta de talento do personagem, que justificam explosões, exageros, desacertos, emprestando-lhes uma naturalidade que lembra até certa falta de estilo. Mas não há estilo melhor do que parecer que não há estilo algum.” O personagem pode não ser lá muito estiloso ou talentoso como escritor, mas teve uma empresa muito bem sucedida, a Produções Totalmente Inúteis Ltda., que o tornou milionário produzindo lixo descartável para a televisão, como o próprio Barney admitia. Ao autor, porém, sobram qualidades: vamos descobrindo isso aos poucos, divertidamente, mas também com algum esforço e paciência em meio às inúmeras divagações do personagem bem como à monstruosa carga de informações que ele despeja sobre o leitor. Composta por menções a pessoas reais e fictícias, datas, lugares, artistas, intelectuais, políticos, filmes, livros, canções, palavras, hábitos e fatos ligados à cultura judaica, sociedade e política canadense etc. A história de Barney Panofsky, de seus três casamentos, abrange quatro décadas e dois continentes (especialmente duas grandes cidades, Paris e Montreal) e é pontuada por bons e maus momentos, grande parte deles pitorescos, quase sempre narrados de maneira engraçada e ou cáustica, característica da literatura de Richler, como se sabe.

Além de falha, a memória do protagonista funciona randomicamente, quer dizer, os fatos não nos são narrados em sucessão temporal ou espacial contínua, mas aleatoriamente. Mal comparando, é como se acessássemos um disco rígido de computador que estivesse não com defeito, mas com registros imprecisos e dispersos, sendo necessário corrigi-los e juntá-los para que adquiram sentido. O que, claro, dificulta um pouco nossa leitura, mas seguimos em frente porque há muita diversão ainda por vir. Do mesmo modo que Thomas Bernhard fustigava a Áustria em seus livros, como no formidável Extinção (Companhia das Letras, 2000), Richler não perde a oportunidade de depreciar o Canadá e suas elites, nação que para Barney era “uma espécie de Eldorado, um país podre de rico, governado por idiotas, em que os problemas imaginários oferecem um alívio ridículo para os males do mundo real fora dele”. Um desses problemas é justamente a questão do separatismo, em especial na província de Quebec, onde fica Montreal, região de língua e tradições francesas, movimento que é mencionado muitas vezes na narrativa.

Se A Versão de Barney é ficção semi-autobiográfica ou puramente ficção não importa tanto, porque uma coisa é certa: as famílias judias retratadas na literatura (como as dos livros de Philip Roth) e também no cinema (como em certos filmes de Woody Allen) são bastante complicadas e ao mesmo tempo engraçadas, mormente quando o assunto é sexo. Misturado com religião então, pode resultar em situações hilariantes. Na família Panofsky não era muito diferente. Vejamos agora um trecho saboroso, sobre a morte do pai de Barney, que era policial e não servia de exemplo para ninguém, assim como o filho: “Para nós, os Panofsky, a poesia é um dom natural. Veja o caso de meu pai, por exemplo. O investigador Izzy Panofsky partiu desse vale de lágrimas em estado de graça. Faz hoje trinta e seis anos que ele morreu de ataque do coração, na mesa de uma casa de massagem no extremo norte de Montreal, logo depois de ejacular. Chamado para ir buscar o cadáver de meu pai, fui levado a um canto por uma jovem haitiana visivelmente chocada. Ela nada tinha a me dizer sobre as últimas palavras de meu pai, mas me chamou a atenção para o fato de que Izzy expirara sem ter assinado a fatura do cartão de crédito. Filho zeloso que sou, paguei pelo último jato de paixão de meu pai, acrescentando uma boa gorjeta e pedindo desculpas pelo transtorno causado ao estabelecimento.” Percebeu a sutileza? Último jato de paixão é realmente um registro altamente poético, não?

Barney Panofsky escreve suas memórias para se defender da acusação de ter matado um amigo que adorava e invejava (no bom sentido), o escritor Bernard Moscovitch, ou simplesmente Boogie. Misteriosamente desaparecido no lago em frente ao chalé de Barney, depois de uma etílica e acalorada discussão entre os dois: Barney o flagrara na cama com a segunda sra. Panofsky, mulher carente de sexo. Quem acusa Barney, além da polícia, é seu arqui-inimigo, Terry McIver, de quem já fora amigo antes e cuja autobiografia fora lançada recentemente. Barney refuta a acusação e ainda registra que Terry escreve mal e mente descaradamente e prossegue: “Certa vez Mary McCarthy [a conhecida autora de O Grupo e outras obras] observou que tudo o que Lillian Hellman [igualmente uma célebre escritora americana, também teatróloga] escreveu era mentira, inclusive as palavras “e” e “mas”. O mesmo se pode dizer dos diários de Terry.” Essas coisas e muitas outras, grande parte delas cômicas, são ditas todas na primeira parte do livro. Cada uma dessas partes, e elas são três, é dedicada a uma diferente esposa que Barney teve ao longo dos anos. A primeira foi Clara, que ele descreve como irrequieta e neurótica, com quem esteve casado por cerca de dois anos quando residiam em Paris nos anos 1950 e conviviam com artistas e intelectuais. Clara acabou se suicidando algum tempo depois de perder um filho, um natimorto, que nem era de Barney, mas de um amante negro, amigo do casal. É muito engraçada a cena em que o sogro de Barney o visita pela primeira vez, algum tempo depois da morte da filha, mas como é bastante longa não dá para transcrevê-la aqui.

De todo modo, Barney nos conta tudo sobre esse primeiro casamento e de como acabou, ao mesmo tempo em que vai narrando outras histórias ou discorrendo sobre pessoas que conheceu em Paris ou no Canadá, com idas e vindas no tempo. Tudo junto e misturado, como ocorre em muitos capítulos do livro. Barney mistura as coisas porque sofre de Alzheimer, a memória lhe falha constantemente então em certo momento ao falar sobre um personagem de Charles Dickens, David Copperfield, o chama erroneamente de Holden Caulfield, o rapaz do livro de J. D. Salinger que queria ser apanhador num campo de centeio. Notas de rodapé vão surgindo para corrigir seus erros: elas são escritas por seu filho mais velho, Michael Panofsky, que também irá escrever o posfácio do livro do pai. Mais uma pequena história do melancólico e mordaz Barney Panofsky, que em certas ocasiões, como nesta, lembra o grande Groucho Marx. Ao falar de um conhecido rabi, um tal Leo Bishinsky, diz que sua foto no jornal revela que ele agora usa peruca e conclui: “pelo visto, feita de pelos-pubianos-de-modelos-famosas”, já que se sabe que ele namora uma garota de vinte anos, parecida com a boneca Barbie. Palavras de Barney Panofsky, que não as media ao pronunciá-las e menos ainda ao escrevê-las. De Groucho Marx mesmo, ao comentar sobre um milionário da indústria farmacêutica canadense, temos a versão de Barney, que afirma que “não gostaria de pertencer a um clube que aceita gente como Maxim Gold, que ganha dinheiro traficando sangue.” A frase original de Groucho, uma das mais conhecidas é: "Eu nunca faria parte de um clube que me aceitasse como sócio.” Ou algo assim, pois estou citando de memória.

Na parte dois temos as lembranças de seu segundo casamento. Seis anos após o suicídio de Clara, em 1958, ele se casa novamente, com aquela que seria a segunda sra. Panofsky, cujo nome nunca nos é informado. O matrimônio, cheio de discussões entre o casal, duraria até 1960, quando Barney surpreende a mulher na cama com o seu melhor amigo, Boogie. Que era um homem bonito (as mulheres o perseguiam; corria a lenda de que a bela Ava Gardner tinha uma queda por ele), escritor talentoso, amigo de gente como Ernest Hemingway, John Cheever, Norman Mailer, William Styron, Billie Holiday, Mary McCarthy, John Huston, mas que depois também se revelou um beberrão e viciado em drogas. Boogie se hospedara no chalé de Barney à beira de um lago na tentativa de, no contato com a natureza, longe da cidade, se livrar (um tanto em vão) da dependência das drogas. A segunda sra. Panofsky, uma falastrona, é filha de um milionário judeu, que lhe faz todos os gostos, por isso mesmo permitiu que se casasse com Barney muito contra sua vontade e da mulher. Na noite da festa desse casamento, lá atrás, Barney já estava dando em cima de Miriam, a acompanhante de um primo da noiva; em 1960 ela se tornaria sua terceira mulher, a que mais amou, com quem queria passar o resto da vida e que fosse enterrada a seu lado quando morresse. Pois é...

Durante sua segunda lua de mel em Paris, Barney relembra agora que tropeçava em caixas e sacolas de caros produtos, perfumes, roupas de Courrèges, Cardin, Nina Ricci, bolsas Lanvin etc., o que não o surpreendia porque a segunda sra. Panofsky era uma consumidora compulsiva de produtos caros. O que o surpreendeu numa noite foi o fato de que “muito depois de eu ter ido dormir, ela continuava recortando com uma lamina de barbear as etiquetas de grifes (que a denunciariam na alfândega) e recosturando em seu lugar as de lojas de Montreal que ela tivera o cuidado de trazer de lá.” Milionários são bastante criativos quando se trata de pagar menos impostos ou de nem mesmo pagá-los, e isso não ocorre apenas no Canadá, sabemos. Depois de muito desentendimento e do flagrante de adultério no chalé, o segundo casamento de Barney termina em divórcio. Com a suspeita da polícia de que ele tivesse mesmo matado Boogie e sumido com seu corpo, que nunca foi encontrado no lago. Mas onde de fato Boogie poderia ter se afogado porque fora ali mergulhar um tanto fraco, zonzo, após discutir e beber com Barney por conta da traição cometida, como este sempre alegou. Aguardamos o final para ver confirmada ou não a versão de Barney, a de que não tinha matado o amigo que lhe botara chifres, que tudo fora um acidente...

Então chegamos ao último episódio do livro, que é sobre o casamento com Miriam, terceira mulher de Barney. Por ela se apaixonara à primeira vista, justamente na festa de seu segundo casamento, como já foi dito, e a quem levou um bocado de tempo para conquistar. Foi o mais longo de seus matrimônios, durou cerca de trinta anos e o casal teve três filhos, Michael, Saul e Kate. Agora, bem próximo do final do livro e da vida, Barney conta o que aprontou para que a mulher o trocasse por outro homem, o professor universitário Blair Hopper, um cavalheiro, que por isso mesmo ele insinuara que fosse gay. Também ficamos sabendo a versão da polícia acerca da morte de Boogie e tudo o mais que aconteceu com Barney, sua família e outros personagens, através do Posfácio às memórias do pai, escrito por Michael Panofsky. Finalizo com um trecho da resenha que Cristóvão Tezza, que também apreciou o livro, publicou no Estadão em 2008: “Não há nada de santo em Barney – esse é o seu segredo. A redenção de sua vida, que ele quer compartilhar com o leitor neste painel de uma geração em que com certeza Mordecai Richler colocou seu testamento literário, está na possibilidade sempre aberta de não mentir – essa arma que só a ficção, por vias tortas, consegue de fato usar.” E com essa precisa observação do autor do excelente O Filho Eterno (Record, 2007), coloco um ponto final nesses longos comentários (para fazer jus ao livro de Richler, um inesquecível calhamaço).
comentários(0)comente



Lusia.Nicolino 14/02/2020

Do que nos lembramos?
Do que nos lembramos e que buracos cobrimos com as memórias fictícias que costuramos?
Já se disse que a verdade tem três versões, a sua, a minha e a verdade.
A Versão de Barney é uma quase autobiografia e está repleta de memórias não confiáveis.
Mas não porque ele quisesse enfeitar ou esconder a verdade.
Barney Panofsky, nosso personagem principal, é Mordecai Richler.
Sarcástico, ninguém escapa de seus julgamentos e de seu humor negro. Pais, esposas, filhos, amigos e inimigos. Entre o momento atual e as lembranças de um passado bem mal vivido, mas com dinheiro suficiente para bancar o bem-estar, vamos passeando entre a realidade e a ficção.
Como chama mesmo aquele troço de escorrer macarrão? E lá vamos nós acompanhar a angústia dos primeiros sinais do Alzheimer, com apoio das notas de rodapé que vão corrigindo o que ele confunde, esquece, afirma, mas não confirma, escritas pelo filho de Barney.
Suspeito de assassinar um dos seus melhores amigos e mentor, o que é verdade e o que não é. Quem acredita e quem duvida? Você precisa ler para formar sua própria memória. São quase 600 páginas de uma leitura muito envolvente.

Quote: “É mesmo?, disse eu, agora com mais uma mágoa de família com que lidar. Ou para alimentar, como diz Miriam. “Algumas pessoas colecionam selos ou caixinhas de fósforos”, disse ela certa vez. Mas você, meu querido, coleciona mágoas.”

site: https://www.facebook.com/lunicolinole
comentários(0)comente



Artax 12/05/2017

Aí é isso. É a versão de um bêbado, boêmio, covarde, apaixonado, resumida em três momentos diferentes, cada um com uma esposa: Clara, a incompreensível e louca artista, a Segunda Sra. Panofsky, uma megera, e Miriam, o grande amor, chama do coração.

Quando comecei a ler, juro que não estava entendendo muita coisa. O Richler tem uma cultura riquíssima e enfia tudo isso no livro, o que faz você se sentir meio burro. Eu ficava MUITÍSSIMO feliz quando entendia alguma referência, mas passadas as primeiras páginas a leitura pegou no tranco e tudo fluiu com muito mais facilidade. A dificuldade de entender algumas partes é proposital, então não é tão ruim assim pro ego. O Barney está com Alzheimer, então é muito comum ele se confundir, dar informações contraditórias, pular etapas de acontecimentos...Em muitos momentos você não sabe mesmo se aquilo tudo aconteceu ou se foi devaneio dele.

Apesar das ironias e do linguajar chulo, o livro é, essencialmente, uma declaração de amor à Miriam. Eu...Bom, eu acho que o Barney é um grande idiota, desprezível e vergonhoso. Mas aí é minha opinião e isso não altera o fato de que o livro é muito bom e merece ser lido.
comentários(0)comente



Tito 18/10/2011

Ofensas a vingar e feridas a tratar: a vida de Barney Panofsky, passada a limpo.
comentários(0)comente



5 encontrados | exibindo 1 a 5


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR