Natalia.Eiras 28/05/2013Um distopia tensa, densa e assustadoramente possívelImaginem um mundo que vive constantemente em guerras; onde conceitos como nação, religião e família perderam sua importância rapidamente; os valores estavam em decadência e perdera-se completamente toda e qualquer segurança. Todos começaram a temer uns aos outros, com o medo regendo a vida dos indivíduos. As consequências para isso foram as quedas na taxa de natalidade, o aumento de doenças como o estresse, assassinatos em massa e terrorismo.
Você pode achar que eu estava descrevendo apenas o mundo que vivemos hoje. Bem, de certa forma, você esta absolutamente correto, mas a descrição acima é um resumo de como, e por quê, o mundo deixou de ser um caos e passou a ser controlado pelo Método, um novo sistema de governo onde o indivíduo é altamente controlado e monitorado a fim de extinguir qualquer possibilidade de doença, física ou mental, e aproveitar ao máximo o potencial humano. Tudo nesse novo mundo é regido pela lógica, e o que a lógica diz? Ela diz, por exemplo, que não é muito inteligente e saudável trocar saliva com uma outra pessoa durante o ato de um beijo. Afinal, a saliva contém milhares de germes e bactérias nocivas a sua saúde bucal. Isso é um exemplo bobo, porém demonstra muito bem como passou a funcionar o cérebro das pessoas. Agora utilize essa lógica para tudo que esta a sua volta e você compreenderá bem como é o mundo que Mia Holl vive.
Mia Holl é uma bióloga brilhante, que já nasceu em um mundo dominado pelo sistema do Método. Ela nunca experimentou uma doença ou uma dor física. Ela possui um chip implantado sob a pele no braço direito, que envia as informações médicas para o Método, e precisa seguir a risca uma série de protocolos de exames regulares, bem como se alimentar conforme as recomendações médicas e fazer exercícios diários.
Tudo neste mundo é feito para promover a saúde do indivíduo e sua longevidade. Não existem bactérias. Você precisa usar um protetor bucal para não transmitir doenças relacionadas a saúde bucal. Até a escolha de um parceiro sexual esta ligado ao Método. Assim como uma agência casamenteira, o Método escolhe uma parceira para você procriar, de acordo com seu histórico médico, sua genética e etc...
O sistema jurídico do século XX que era basicamente para condenar criminosos, como estupradores, ladrões e falsários, ganha uma nova vertente: julgar aqueles que vão contra as normas sanitárias impostas pelo método, ou seja, aquelas pessoas que querem ter o direito de ficarem doentes. Que são descuidadas com a saúde.
Tudo ia muito bem, até que o irmão de Mia é condenado injustamente por esse novo sistema judicial, após ser acusado de matar e violentar uma possível parceira sexual.
Mortiz jura que nunca tocou na mulher, mas seus sêmen é encontrado no corpo, e em um sistema onde a lógica impera, um teste de DNA que dá 99% de chances de acerto é muito mais confiável do que a palavra de um homem.
Sem conseguir comprovar sua inocência, Moritz decide tirar a própria vida, pois como ele mesmo afirma no livro, "a vida é uma oferta que também se pode recusar". Mia sente-se sozinha, passando seus dias e noites trancada em seu apartamento com a amante ideal, uma mulher que Moritz criou e que deixa como último presente para Mia antes de morrer. Mas peraí?! Ficar trancada em um apartamento, com uma mulher que só você consegue ver, sem seguir a dieta e os exercícios impostos pelo Método?
Isso é claramente um caso de depressão com agravamento para esquizofrenia!
Isso indica que ela esta doente, certo? Mas... doenças não eram proibidas? Acho que Mia tem um problema... que vai ficar muito pior quando ela descobrir que o irmão dela era inocente e foi condenado injustamente pelo sistema.
O livro é muito tenso, denso e assutador. Tenso, pois você consegue se colocar no lugar de Mia, vivendo nessa sociedade totalmente desinfetada e extremamente racional. Convenhamos, com os avanços das tecnologias e da medicina, não é nenhuma novidade que a daqui a poucos anos a medicina pode estar tão avançada que o ser humano não terá mais que se preocupar com diversas doenças e passará a viver muito melhor e por mais tempo.
Denso, pois como a sociedade é guiada pela razão, os diálogos são muito racionais. Cada diálogo parece uma manobra de xadrez. Nada ali é dito por acaso. Estamos acostumados a ter um diálogo, onde a ideia é bem explícita, porém, neste livro, cada frase esta carregada de sentidos e de forma rebuscada, ou seja, seguindo à risca a norma culta da língua.
Ex:. Qual é a segunda pessoa do singular? Tu. Logo, quando os personagens querem falar na segunda pessoa, eles utilizam o pronome referente a esta pessoa, de acordo com as regras da gramática portuguesa!
"- Tu não sabes de nada Moritz! Tu és um sonhador!"
Esse é um exemplo bobo, mas é mais ou menos por ai a coisa.
É assustador, pois se pararmos para prestar atenção no que esta sendo dito no livro - que os governos não mudam, o que muda é como as pessoas se submetem a eles, e que um ser humano sem liberdade não tem por que viver - vemos que é tudo verdade; vemos que não estamos muito longe de chegar a realidade apresentada no livro, só que de maneira menos apocalíptica e mais ideológica, mas não menos assustadora. Afinal, será que é tão impossível assim que no futuro o ser humano passe a idolatrar o corpo como algo sagrado e que deva ser preservado a todo custo e por conta disso, ele abra mão da sua própria liberdade?
Ah é... eu esqueci... nós já fazemos isso quando vivemos em dieta quando não precisamos (apenas para perder alguns quilinhos, né?); quando malhamos pra ficar sarados e não pra ter saúde; tudo isso para nos enquadrarmos no modelo de beleza que a sociedade impõe.
O final é completamente inesperado. Eu fiquei pasma com o desfecho e já adianto que se a autora quiser, tem como fazer uma continuação.
Se você gosta de distopias e esta disposto a algo completamente diferente do que você leu até agora... esse livro é feito pra você.