Valério 31/08/2015
Inspiração que atrapalha
Karl Ove tem uma boa sensibilidade para passar ao papel os sentimentos.
Sabe extrair, de um tema que nos é comum a quase todos - a morte de seu pai - um bom texto, que transmite sensações através de pequenos detalhes que, apesar de serem apenas isso, detalhes, detalham e configuram cenas de nossa vida, criando a realidade. Poucos autores sabem fazer isso, descrevendo atos e fatos corriqueiros do dia a dia, atribuindo-lhes sensações e relacionando-os com os acontecimentos significativos.
O grande mestre nesta arte é Marcel Proust, autor francês que tem em sua obra de 7 volumes, "Em busca do tempo perdido" um dos maiores e mais fantásticos livros da história da humanidade.
Ao começar a ler "A morte do pai" pude enxergar a clara influência de Proust na obra. A singeleza do relacionamento do narrador com seu pai em muito lembrava a descrição de atos aparentemente corriqueiros da vida de Proust.
Não foi à toa. Em determinado ponto da leitura, o próprio Knausgard se declara leitor e entusiasta de Proust.
Mas o que poderia imprimir qualidade à sua obra terminou por dimunuí-la significativamente aos meus olhos.
Ao tentar adotar o estilo Proustiano, o autor começa bem. Depois, se perde em descrições que não alcançam o efeito desejado, tornando-se apenas descrições cansativas e sem significado, como exemplo destaco este trecho:
"No instante seguinte eu já estava de volta na sala, olhando em torno. Deveria comer alguma coisa? Beber? Sair para fazer compras?
Fui até o hall, dei uma espiada no quarto, na enorme cama desfeita, atrás dela a porta do banheiro. Podia fazer isso, pensei, tomar um banho, boa ideia, afinal teria que sair logo mais. Tirei a roupa, liguei o chuveiro, água bem quente, sobre a cabeça, escorrendo pelo corpo. Bater uma punheta, talvez? Não, pelo amor de Deus, papai morreu"
Por sua vez, algumas passagens tem seu valor:
"Pois a maneira como pensamos está, claro, intimamente associada com o ambiente concreto em que nos encontramos, com as pessoas com quem falamos e com os livros que lemos".
A segunda parte do livro ainda é melhor que a primeira, pois os acontecimentos giram em torno dos sentimentos que envolvem a morte do pai do narrador.
Enfim, não fossem os trechos onde o autor se perde, o livro poderia ser uma grande obra.