Ana Sá 20/06/2022
Fui guerreira demais pra chegar até aqui…
Geralmente, eu procuro fundamentar bem as notas baixas que dou a um livro. Isso porque eu gosto muito de vocês aqui do Skoob, então daí vem essa minha consideração na hora de resenhar (assim temos sempre boas trocas!). Entretanto, ao terminar de ler “A morte do pai”, eu tive que admitir que gosto muito mais de mim mesma e que eu merecia me livrar deste romance o quanto antes, razão pela qual eu não vou voltar à obra para fundamentar a minha insatisfação. A partir daqui, temos mais um desabafo de uma leitora guerreira do que uma resenha propriamente dita…
Basicamente, o autor decidiu publicar sua autobiografia romanceada/ficcionalizada numa série de seis livros. Simples assim: ele, Karl Ove Knausgård, é um escritor norueguês de 53 anos (quando começou a escrever a série ele deveria estar na casa dos 40 anos talvez) que sentou a bunda na cadeira e escreveu DETALHADAMENTE sua vida ainda em curso - e “A morte do pai” é seu livro de abertura, focado na fase da juventude. Muitos leitores e críticos têm considerado a série "genial", e foi assim que cheguei a essa desgastante leitura (a série se intitula “A minha luta”, uma assumida alusão ao livro homônimo de Hitler, outro ponto que não percebi!).
Pois bem. Pode a autobiografia de um homem comum, europeu e hétero, do século XXI ser interessante? Eu diria que sim! Os brevíssimos momentos em que o narrador trata da formação da sua masculinidade e sexualidade são um ponto alto. Quando ele ameaça refletir sobre sua paternidade também. O tema da “morte do pai”, quando FINALMENTE chega, é instigante. Mas aí vem o problema… Na prática, a obra vai por um caminho que me deixou várias vezes com cara de “ué?”.
Abraçando a licença poética inerente ao desabafo de uma leitora guerreira, eu dividiria o livro assim: 30% foca na questão de fazer amizades (ou não) na infância/adolescência, de uma forma bem boba e superficial; 40% foca num quase sexo, drogas e rock roll bem sem graça e circular; 30% foca na limpeza da casa da avó do protagonista (e olha que, apesar de tudo, esta parte foi a que mais gostei, mas não vou explicar pra não dar spoiler!). E tudo isso MUITO detalhado! Se o protagonista vai escutar uma música, a gente é obrigada a acompanhar desde a escolha da música, o subir de escadas para o quarto, o apertar do botão do toca fitas, parte da letra das músicas… Se o protagonista vai limpar a casa, nos vemos pensando e escolhendo o produto de limpeza com ele, sentindo o cheiro dos produtos etc etc… E daí? Pra quê? “Socorro" foi minha nota mental mais frequente enquanto seguia com a leitura…
É verdade que autor merece ser reconhecido por conseguir trabalhar sua escrita de forma tão detalhista e parcimoniosa, numa altura em que as sociedades correm numa velocidade descabida. O livro, de certa forma, vai contra a lógica do tal “tempo líquido”. Então, sim, eu (quem sou eu, mas…) reconheço algum mérito no estilo adotado por Karl Ove. Mas mais ainda merecem ser reconhecidas as bravas leitoras que têm paciência para ler tanta descrição. Não quero julgar o livro por aquilo que eu gostaria que ele tivesse sido, mas a falta de reflexões ou posicionamentos mais subjetivos e/ou filosóficos do narrador-protagonista tornaram a leitura insuportável para mim! Caiu numa descrição pela descrição, o que me impediu de ver beleza na proposta audaciosa de romancear a biografia de um homem comum do nosso século. Não é qualquer um que consegue descrever a vida da forma como o faz esse autor, mas isso não bastou para que eu me conectasse com o valor literário da obra. Poucas pessoas conseguem fazer o que ele faz, mas, para mim, isso não significa que o que ele faz é "genial", pode apenas ser único mesmo. De forma única, ele tirou minha paciência como poucos nos últimos tempos! Não sou ingênua a ponto de encarar a literatura como sinônimo de prazer, mas tampouco espero que ela signifique tortura... Olha, que dureza foi essa leitura!
Pode ser que a leitura da série toda dê novas chaves de interpretação e valoração, mas eu não vou pagar pra ver. E, claro, deve acontecer com vocês também, de não gostarem de um livro da moda e pensarem: “será que eu não sou culta suficiente para perceber a graça disso aqui?”. Pode ser também, mas o fato é que eu nunca tive a pretensão de ser culta, então se o problema for este, eu deixo a leitura para os universitários. E, por fim, vocês se lembram que isso aqui é mais um desabafo do que uma resenha? Pois bem, talvez a gente possa apagar todas as linhas acima e deixar apenas a frase que segue: “gosto é gosto, né?”.