pablobrodrigues 10/08/2022
#resenha | «A Fabricação do Rei: a construção da imagem pública de Luís XIV», de Peter Burke [Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges] (Zahar, 1994)
Li por esses dias o A Fabricação do Rei: a construção da imagem pública de Luís XIV, de Peter Burke (BURKE, 1994). Um livro incrível e que me permitiu pensar a construção pública da imagem dos nossos ex-presidentes. Qual foi o presidente brasileiro mais midiático? Jair Messias Bolsonaro, Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso?…
Como jovem leitor, consigo resgatar imagens construídas (e em construção) desses nomes citados acima que me chegaram ao longo desses 28 anos de idade. Por exemplo, F.H.C é considerado o “Príncipe dos Sociólogos”, “Pai do Plano Real”. Lula é o líder popular. Dilma é a primeira mulher presidente, “Mãe do PACC”. Bolsonaro, o político outsider, “nova política”. Essas imagens são todas verdadeiras? Socialmente verdadeiras, e sempre questionáveis. Elas são “fabricadas” e “construídas” ao longo da História.
O livro de Burke tem 12 capítulos, glossário e apêndice. E não apenas, descreve a fabricação positiva da imagem do Rei Sol, como também o “reverso da medalha”, isto é, a construção negativa atribuída a Luís ao longo do seu reinado. Os primeiros sete capítulos são relacionados a imagem positiva do monarca francês: “O nascer do Sol”, “A construção do sistema”, “Autoafirmação”. E os quatro capítulos finais constam uma visão dos detratores do rei, “O pôr do sol”, “A crise das representações”, “O reverso da medalha”.
Entre os capítulos que me chamaram atenção está “A construção do sistema”, em que entendemos o papel da literatura, das artes e das academias na construção da imagem do rei para louvar o rei através de concurso público (no caso das academias artísticas) e no descobrimento científico em nome do rei. Blaise Pascal, La Fontaine, Racine e Molière são alguns dos intelectuais relacionados ao reinado de Luís XIV.
Os trechos que gostaria de compartilhar com vocês são os dois parágrafos finais do livro. Eles tecem comparações importantes entre o Estado absolutista francês e os Estados democráticos contemporâneos:
Hoje, a linguagem dominante na política é a linguagem da liberdade, igualdade e fraternidade. Presume-se que o poder emana “do povo” e os monumentos públicos celebram “o soldado desconhecido” ou um trabalhador heroico genérico. Líderes eleitos precisam pensar nos eleitores, e até governantes antidemocráticos afirmam que seu poder vem do povo. A distância social foi abolida, ou parece ter sido (graças tanto à invasão das câmeras de TV como a escolhas conscientes). A ilusão de intimidade com o povo é necessária, a conversa ao pé do fogo, os apertos de mão intermináveis etc. A dignidade é perigosa, porque implica distância. A ênfase recai agora sobre o dinamismo, a juventude e a vitalidade. Mussolini está longe de ser o único governante de meia-idade a ser apresentar em público como esportista e até atleta. Escolhem-se fotografias que ressaltem as qualidades dinâmicas. Ocasionalmente, a linguagem corporal de indivíduos é modificada por conselho das agências de publicidade e dos empresários de campanha, para que o candidato melhor se ajuste ao papel de líder popular. (BURKE, 1994, p. 213).
“Luís proclamava dever seu poder a Deus, não ao povo. Não precisava cultivar eleitor nenhum. Seus meios de comunicação não eram de massa. Foi apresentado — de fato, tinha sê-lo — como alguém especial, o ungido por Deus, le Dieudonné. É um contraste entre dois estilos de retórica”. (BURKE, 1994, p. 213).
O livro significou um aprendizado a respeito do discurso histórico. Burke é cauteloso, crítico, e busca o equilíbrio entre o papel do seu livro para a compreensão da história contemporânea. O que faz desse projeto não apenas uma forma de elucidação do Estado absolutista francês, representado na figura de Luís XIV, mas também um olhar para o presente.
REFERÊNCIAS
ANDRÉ PHILIDOR (1652–1730). Marches Fêtes & Chasses pour Louis XIV. Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2022.
BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. Peter Burke. A fabricação do rei. A construção da imagem pública de Luis XIV. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994, 254 pp. Revista de Antropologia, v. 43, n. 1, p. 257–261, 2000. Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2022.
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“O rei está morto”: Luís 14 e seus rituais fúnebres — DW — 02/11/2015. dw.com. Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2022.
Retrato de Luís XIV, de Hyacinthe Rigaud, óleo sobre tela, c. 1700, Louvre, Paris. Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2022.
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