Canoff 04/12/2023
E se você acordasse num corpo diferente todo dia? !SPOILERS!
Observação antes da resenha: Nomeei a personalidade como “Andrew” porque seria difícil escrever e ler uma resenha com o nome apresentado no livro (A). Portanto, quando menciono Andrew, refiro-me a A.
Desde a infância, um pensamento me acompanha e ressurge sempre que paro para refletir sobre a vida: e se eu pudesse trocar de corpo com alguém do meu círculo social por um dia? O que faria se tivesse acesso irrestrito ao corpo de uma pessoa com quem tenho contato diário? E se essa pessoa também pudesse usufruir da mesma oportunidade e tivesse acesso irrestrito ao meu corpo, à minha vida? Esse pensamento já me acompanhou em momentos de insônia, reflexão, tédio, mas nunca consegui encontrar respostas para ele. Acredito que não seja o único a ter pensado nisso ao longo da vida. Eu estabeleceria princípios morais? Definiria limites?
Em “Todo Dia”, de David Levithan, essa fantasia é desenvolvida de forma ímpar. “Andrew” é uma personalidade que acorda todos os dias em um corpo diferente e precisa seguir a vida da respectiva pessoa sem ser descoberto e sem alterar drasticamente sua existência. A maneira como David escreve o livro faz com que enxerguemos essa personalidade como um jovem de 16 anos, mas ao longo da história, ele incorpora meninas e meninos em diferentes realidades, com rotinas, opiniões, características e contextos familiares distintos. Andrew não tem uma sexualidade definida; ele age apenas conforme necessário, pois seu objetivo é passar 24 horas sem causar problemas e sem mudar totalmente a vida de seus hospedeiros, já que só tem o controle por um dia.
Para não ser descoberto, Andrew apaga todos os indícios de que a pessoa perdeu o controle de sua própria vida. No entanto, ao controlar Nathan, Andrew perde a noção das horas e precisa fazer com que Nathan durma antes que o dia termine, o que, devido à pressa, deixa resquícios. Após vários dias, diversos corpos e diferentes realidades, Andrew, agora como uma menina, recebe um e-mail de Nathan dizendo que lembra do que aconteceu e que irá descobrir o que aconteceu com ele. Isso resulta em reportagens por todo o país, blogs comentando sobre o “menino possuído pelo Diabo”, religiosos alimentando a notícia diariamente, e Andrew sem saber como amenizar tudo isso.
Um dos pontos importantes deste livro é que, por ser antigo, eu imaginava que não fugiria muito da heteronormatividade. No entanto, me deparei com Andrew incorporando jovens gays, bissexuais, trans e outras especificidades encontradas quando falamos em características humanas. Acredito, claro, que esses personagens poderiam ter sido desenvolvidos de maneira mais aprofundada, pois, pensando agora, parece que David quis forçar a inclusão de minorias, mas não se planejou adequadamente para isso. A escrita é fluida, a maioria dos personagens são bem construídos, os diálogos são muito bons e a forma como Levithan conduz a narrativa faz toda a diferença. Embora o livro não tenha tido um final esperado, consigo facilmente considerá-lo um dos melhores livros que já li. Não sei se a boa experiência se deu pelo fato de eu ter um certo contexto com esse pensamento, mas não posso tirar o mérito do autor em ter escrito um livro tão bom e com uma premissa tão única.