Lucas.Sampaio 06/01/2024
A morte é real
Em 2017, como consequência a morte de sua esposa Geneviève Castrée, de 35 anos; o artista, compositor, multi-instrumentista Phil Elverum através de seu projeto musical "Mount Eerie" lançou um álbum chamado A Crow Looked at Me, que tem como verso de abertura:
"Death is real
Someone's there and then they're not
And it's not for singing about
It's not for making into art
When real death enters the house, all poetry is dumb"
(A morte é real
Alguém está lá e, em seguida, não está mais
E não é para se cantar sobre
Não é para tornar em arte
Quando a morte real entra na casa, toda a poesia é estúpida).
Não, nada disso tem a ver com o William Faulkner. No entanto, é difícil não pensar nesse trecho ao ler Enquanto Agonizo (1930).
Nessa obra que tem como tema central a morte, o Faulkner constrói um texto que apesar de duro, soturno, que demonstra que a morte é real e avassaladora, ele ainda encontra espaço para contradizer o verso do Mount Eerie: a morte pode sim ser poética.
Nessa narrativa polifônica, nós temos 15 narradores contando a saga e o martírio de transportar o cadáver de uma mãe para uma cidade afastada para que possam enterrá-la.
Oxalá se fosse tudo tão simples assim, nesse meandro de vozes o Faulkner brinca com o fluxo de consciência, as metáforas, a pontuação, fazendo com que a narrativa seja intrincada, misteriosa, confusa e hipnótica.
Não, não é uma leitura fácil.
Nós temos inúmeros relatos que contam as mesmas coisas de formas completamente distintas: uma criança, que enxerga o mundo com inocência, que não entende todo o absurdo acontecendo ao redor dele.
Um velho movido pela culpa, tentando enterrar a mulher e cumprir seu último desejo: que ela seja enterrada no mesmo túmulo que seu pai e sua mãe.
Seus outros filhos, endurecidos, afastados da civilização, moradores do campo: Darl, o sonhador, insensato; Cash, o que constrói o caixão com as próprias mãos e que tem uma visao equilibrada de toda a situação; Jewel, o que deseja independência, o que se vê separado do restante da família e do mundo.
Fora todos os outros personagens que veem a situação de fora.
E junto de toda a poesia, construção e arte que o Faulkner dispõe nessa narrativa, temos um livro essencialmente sobre: culpa, luto, carregar um fardo pesado demais (talvez movido pela culpa), e NINGUÉM nessa narrativa é inocente (talvez apenas a criança).
Em vários momentos a narrativa é grotesca e trás à tona os segredos (ou pecados) mais profundo de todas aquelas pessoas.
Apesar de toda a sujeira cravada nessa família, de toda a hipocrisia, é difícil não se emocionar com o luto de todos os parentes ao ver a mãe/esposa lentamente morrendo em uma cama, ao carregar o corpo da matriarca por dias, com o corpo apodrecendo aos poucos, os urubus acompanhando, com todas as tragédias particulares e públicas que acontecem no caminho.
Essa obra é uma ferida aberta, dolorida, que eu vou carregar por muito tempo comigo. Que me encheu de poesia e dor.
Foi lindo e triste.