Dever

Dever Armando Freitas Filho




Resenhas - Dever


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Charlene.Ximenes 09/08/2018

Ir até o fim
Armando estreitou nos livros em 1964. Com "Dever", comemora 50 anos de carreira, evidenciando sua significância como um grande poeta em atividade no Brasil. Eu, particularmente não o conhecia e foi o acaso de uma visita a biblioteca do CH da Universidade Federal do Ceará que me proporcionou essa descoberta. Decidi pegar o livro emprestado quando li na folha de rosto uma frase de Clarice Lispector: "O horrível dever é ir até o fim." Era para ser.

Armando foi pesquisador na Fundação Casa de Rui Barbosa, secretário da Câmara de Artes no Conselho Federal de Cultura, assessor do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro, pesquisador na Fundação Biblioteca Nacional e assessor no gabinete da presidência da Funarte, onde se aposentou. Ganhou o prêmio Jabuti em 1986, com o livro "3x4" e em 2000, o prêmio Alphonsus de Guimarães, com o livro "Fio Terra", concedido pela Biblioteca Nacional. Dever é dividido em três partes. Na primeira, "Suite", o autor se detém em "casas, roupas, móveis etc.", objetos ligados a vida comum, que provavelmente perderiam a poesia caso não fossem, tal qual nos informa o autor, "dispostos de tal forma que sirvam para fins estéticos". A segunda parte da obra, "Anexo", passeia pela rua, é "jornalística", sem todavia perder o caráter literário, evidenciando variados eventos que percorrem o poeta.

A terceira parte da obra se constitui de poesias a falar de poemas, Armando continua a passar em revista sua poética, sempre suscetível a retificações no futuro. O autor consegue se utilizar de poemas íntimos sobre a família e a vida amorosa, bem como de poemas que falam de temas atuais, como o massacre da Candelária e o goleiro Bruno. Além disso, chamou minha atenção o fato dele dialogar com a poesia brasileira atual, num poema feito tendo como ponto de partida o último livro de Angélica Freitas, "Um útero é do tamanho de um punho" .

Há poemas que falam de poemas, há poemas que falam dos poetas. Senti-me num mergulho no desconhecido, já fui em busca de assistir entrevistas com o autor e gostei bastante do modo como ele vê a arte de escrever. Poesia é um dever em/para mim.
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Arsenio Meira 24/05/2014

Sublime

Armando Freitas Filho avisa, de cara aos navegantes, invocando os préstimos de Madame Lispector: " o dever horrível é ir até o fim". Dói. A decrepitude que o tempo se encarrega de moldar; a morte dos amigos e irmãos e etc; a incompreensão, a sensação de vazio. Sim, todos esses tópicos foram convocados por Armando. Mas esses tópicos nunca estão sós. A contrapartida existe. Se a poesia é um tipo de pensamento, um pensamento “poético”, trata-se do lugar de reflexão mais delicado, situado nos extremos da linguagem. Por articular um pensamento que nega o significado tocando o sumo da materialidade de que é feito, perseguindo o mistério do real ao se distanciar da realidade, a poesia possui a mesma mística do inalcançável; talvez ainda mais grave, por sua reflexão ser obscura porém mais radical e por seu gozo ser mais inflamado. A poesia de Armando procura, nesse gozo da materialidade presente, o seu próprio ser e reflete sobre o seu obscurecimento. Mas se esse ser é inapresentável a ela mesma, o desejo poético busca o inalcançável de si mesmo, um ser fora da obra mas que só existe, ainda que em estado de mistério, na obra mesma.

Se o poeta – ocupando o limiar das possibilidades da linguagem, e portanto do próprio homem enquanto ser de linguagem - sente o abrasamento sublime mais que o teórico, e ainda faz o teórico sentir seu estado ígneo quando ele mergulha em suas “lavas”, então ele está mais propenso a essa perseguição mística, carnal, venturosa. Daí encontrarmos mais a assunção da mística nos melhores poetas (Rimbaud, Baudelaire, simbolismo, surrealismo, Fernando Pessoa) do que nos melhores pensadores (cujos exemplos não ultrapassam muito os nomes de Bergson, Bataille, Heidegger), pensando em modernidade.E por isso o presente "Dever" do veterano poeta carioca - a quem Ana Cristina César confiou toda a imensidão e pureza do seu legado literário - diferentemente de alguns dos seus pares, em geral não emite sinais de ingenuidade, mas sim de intensidade, principalmente levando em conta o ritmo avassalador que emana de sua poesia, característica já tão decantada com louvor por leitores, críticos e colegas de ofício.

Com isso quero dizer que Armando sai em busca do impossível, luta, não esmorece, não fica deitado em berço esplêndido esperando a "Via-Láctea" aparecer como que em miragem; ele vive de uma mística que lhe é própria, qual seja: de um poeta sublime sempre em movimento. Até quando triste, ele caminha; de súbito, imagens fortes, exatas brotam do seu acervo poético (herança, decerto, de um Poeta que lhe é fundamental e que atende pelo nome de Carlos Drummond de Andrade.) Em "Dever", a poesia o socorre, antes de tudo, para ofertar-lhe um ponto de partida, e não de chegada, pois nunca se chega a lugar nenhum com desejo de morte. Embora teça cantos de elegia para render justas memórias ou evocações a Drummond e Ana C. César, o desejo de experiência que experimenta o limiar maximum de possibilidades e de potencialidades da linguagem, e por conseguinte do homem, para alcançar o inumano, é sempre bem trabalhado por Armando.

Assim, se Armando Freitas Filho é senhor de uma das melhores poéticas no que toca do mergulho incontido no desejo do absoluto através da carne, poder-se-ia lançar até a hipótese de que ele praticaria uma mística limitada? Mas qual o que! Por contarmos com a tradicional resistência a essa palavra na universidade e nos gabinetes teóricos, sobretudo a brasileira; e também pelo fato de não ser um termo explícito do autor, não há porque não substituir “mística” por ... poesia sublime.
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