Camille.Pezzino 18/09/2019
O REAL ENTRE OS FANTASISTAS
Se existe um tipo de literatura que me encanta, definitivamente, é a literatura fantástica, isso porque, ao contrário da contemporaneidade, a qual divide tudo em pequenos pedaços e fragmenta toda a magia, a minha ideia de fantástico está muito mais voltada para a raiz grega da palavra do que, de fato, ao que se pressupõe como fantástico nos dias de hoje.
Ursula K. Le Guin, uma escritora famosa que tenho vergonha de dizer que nunca li, em sua resenha a respeito da Antologia de Borges, Casares e Ocampo, vem esmiuçando etimologicamente a palavra fantasia. De acordo com ela, após ler o Oxford English Dictionary:
“Fantasia”, responde titia, limpando a garganta, “vem do grego phantasía, literalmente, ‘aparição’.” E explica que phantasía está relacionada a phantádzein, “tornar visível”, ou, no grego tardio, “imaginar, ter visões”, e também a phantein, “mostrar”.
Após isso, a autora continua a resumir os usos antigos em inglês, como “uma aparição, um fantasma, um processo mental de percepção sensorial, a faculdade da imaginação, uma noção falsa, um capricho ou extravagância”. Ao invés de continuar e acompanhar o processo linguístico de Le Guin, vou continuar a partir do grego. A última forma apresentada por ela significa “mostrar”, o que significa que houve uma mudança radical no sentido da palavra, no entanto, como todo vocábulo que sofre alteração de sentido, ele não perdeu a sua extensão: ao dizer isso, precisamos explicar que, por mais que uma palavra varie e mude – e muitas mudam para o sentido oposto –, ela ainda tem relevância naquele contexto, como mostrar e fantasiar, você vê algo: seja a realidade ou a fantasia. Assim, a extensão de sentido continua.
No entanto, como mostrar virou fantasiar? Bem, essa, na verdade, trata-se de uma mudança de percepção que pode estar conectada a diversos valores culturais e, principalmente, religiosos. Mas, acredito eu, principalmente, há uma diferença quanto o que era verdade para os gregos, como eles construíam a sua aléthea, em detrimento ao que veio a se tornar verdade posteriormente. Afinal, um mundo politeísta que acreditava em deuses extremamente humanos se difere – e muito – da concepção medieval, a qual vai se tornar bem diferente da Renascentista, retornando aos clássicos da Hélade, e muito mais distinta da nossa versão de pensar nos dias de hoje (embora algumas atitudes não tenham mudado muito).
Então, como isso aconteceu? Bem, a mudança de percepção de sentidos, de uma cultura oral para uma cultura letrada, pode ocasionar diferenças extravagantes, no entanto, o que se mostrava como verdade para os gregos, perceptual e ideologicamente, não é o que se mostra num período posterior. Dessa forma, a fantasia com a qual nos conectamos é dupla, como Le Guin volta a mencionar, pois ela está “situada em meio ao falso, à tolice, ao ilusório, aos baixios da mente e à crucial conexão da mente com o real”.
Dessa maneira, o que Le Guin e a palavra fantasia querem dizer é que: há um fundo de verdade demonstrada no fantástico, o qual é intrínseco ao homem. Os deuses gregos são fantasiosos com suas ações humanas, porém, ainda assim, eles – até hoje – mostram aspectos e facetas que intrigam teóricos. Um exemplo é a deusa do amor que traía o seu marido com qualquer um, ou a deusa do casamento que era traída diversas vezes pelo marido. Há uma duplicidade helênica que faz parte da natureza humana e a ela pertence, situa-se no fantástico, mas ainda se situa no real.
Assim a fantasia é vista na Antologia da Literatura Fantástica. Ela não se prende só aos seres mágicos, ela vai além, extrapolando tudo que foge do cotidiano e do real, através de reflexões, assombrações ou sonhos. Borges, Casares e Ocampo, ao montarem a sua antologia, contam com diversos escritos: seguindo uma ordem alfabética bem borgiana, os organizadores se aproveitam de autores de múltiplas culturas (japonesa, chinesa, árabe, francesa, hispano-americana, etc), além de autores clássicos como Kafka, Wells, Carroll, Joyce e outros, e de contos de um parágrafo a páginas.
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