Toni 29/03/2022
O que você alimenta na sua caixa?
O livro, A caixa, ao contrário do que imaginei antes da leitura, não faz referência direta às câmaras de gás construídas para o extermínio de judeus no holocausto, porém certamente desperta reminiscências que demandam essa ideia que são construídas ao longo de certas narrativas pontuadas pela família em seguida citada.
"Deve ter sido sei lá quando, de qualquer modo em algum momento depois da construção do muro. Nós mal tínhamos completado 5 anos."
A concepção do enredo da obra traça memórias de uma família de oito irmãos que se reverzam na narrativa (isto achei brilhante)
" De agora em diante são os filhos que têm a palavra. Começa, Pat! És o mais velho. Chegaste dez minutos antes de Jorsch. Pois bem, vamos lá!(...)"
Os filhos, então, têm a tarefa de gravar para o pai, escritor, todos os relatos de que se lembram desde a infância.
O resgate dessas memórias servirá para a construção do último livro do pai, cujos relatos traz à tona uma espécie de acerto de contas frente a tantas descobertas e revelações, por vezes, inimaginadas. Ainda assim, no entanto, é perceptível que nem todas as falas são bem claras, algumas ficam nas entrelinhas ou a critério da interpretação do leitor, situação esta marcada pelo uso recorrente das reticências. Um recurso bem tramado pra aproximar o leitor do história.
Mas o ponto alto dessas memórias e que chama a atenção dos próprios irmãos no decorrer das gravações é a presença constante de uma pessoa em todas essas circunstância, Marie ou Mariechen, fotógrafa e dona da tal caixa, que dá nome a obra, A caixa (escura), uma câmara analógica com a qual ela desenvolve habilidades surreais na maneira de fotografar, cujos resultados sempre são os mais surpreendentes, pois além da caixa revelar imagens que conversam com a realidade, parece ter um poder sobrenatural, capaz de projetar não só os desejos mais recônditos de quem se deixa fotografar, mas também de ver além da imagem. Enfim, Mariechen e sua caixa despertaram tanto fascínio na família, que não foi à toa ela se tornar amiga e confidente do pai. Possivelmente, amantes.
Mas afinal, gostei da leitura? Devo ser honesto ao dizer que não sou muito fã da temática memória, me faz lembrar alguém empolgado pra contar seu sonho, coisa que só tem graça pra quem sonhou. Talvez, por isso em determinados momentos tenha achado um tanto enfadonha. Porém, o estilo, a linguagem e a habilidade com que o autor usa um e outro, transformando A caixa, em um texto primoroso, vale a leitura.
Refletindo: Numa caixa pode conter de tudo, desde suas melhores memórias até aquilo que você preferiria esquecer. E então, o que você está alimentando na sua caixa escura?