Dani 26/05/2014Surpreendente!Que uma esquadra com treze caravelas aportou na costa nordeste brasileira em 22 de abril de 1500, capitaneada por Pedro Alvares Cabral, brevemente, antes de partir em direção ao extremo oriente nós aprendemos no 1º ano do ensino fundamental. E essa, que seria o “início” do nosso país, é a história que escutaremos, repetidas vezes, durante todas a nossa formação acadêmica básica, com alguns de talhes adicionados ou corrigidos eventualmente. O que poucos brasileiros sabem, na verdade, o que poucas pessoas sabem em geral, é que a história é infinita mesmo antes de seu “início”, uma ciência misteriosa em seus esclarecimentos. Por isso é que antes de 22 de abril de 1500 houve muita coisa em Portugal, no “Brasil”, no mundo e entre “Brasil” e Portugal.
"Para aquele monarca dedicado, que, como ele mesmo sempre dizia, havia herdado apenas as estradas de seu país, depois que seu pai, terrivelmente influenciado pelos abutres à sua volta, além de declarado guerra ao seu poderoso rival inúmeras vezes, enfraquecendo seu pequeno reino, simplesmente entregara todo o poder régio nas mão da ambiciosa nobreza. Agora, pensava ele, sua nação finalmente tinha encontrado o seu lugar."
Leitores gostam de histórias, diversos tipos e especificidades delas, e também há leitores que gostam de histórias da História. Como quer que seja, acho que A Casa de Avis irá agradar a todos esses tipos de leitores. Sim, é um livro de inspiração histórica, os fatos narrados ali aconteceram e estão documentados de alguma forma, é assim que a História funciona. Mas não, se você não gosta de História, se você sentia uma irresistível vontade de dormir durante essas aulas na escola ou dormia mesmo, não, você não precisa ter medo, repudiar ou começar a bocejar só de pensar em ler A Casa de Avis. Não mesmo, aliás, essas seriam atitudes completamente precipitadas.
A Casa de Avis é o primeiro volume da Trilogia Calicute e nos conta de forma romanceada a ascensão de Portugal como Pioneiro e Senhor dos Mares nos séculos XIV e XV. Mais especificamente, a história nos revela como a paixão, a coragem, a esperança e a lealdade de um Capitão e sua “tripulação de ratos” foi capaz de alçar esse país espremido entre a Europa e o Atlântico à glória. Se você pensou que eu estava falando de Pedro Alvares Cabral, aqui começam as surpresas: não, eu estava loooonge de me referir a ele.
Estou falando de Bartolomeu Dias, que será apenas Dias daqui para frente para nós. Tudo começa com uma execução ocorrendo em Évora, numa manhã de verão de 1483, o rei D. João II executava em praça pública D. Fernando II, duque de Bragança, acusado de traição. Na plateia estão Dias e Diogo, bravos irmãos, um valente e “homem de confiança” do rei o outro um exímio espadachim e homem de confiança do irmão. Mas há muito mais gente na plateia, gente que se perde de vista e gente que não pode ser vista, como o pequeno Jaime, filho do condenado, que assiste a tudo na companhia do rei.
Os caminhos de Jaime, Dias e Diogo se cruzam após o ato público, nas hostis estradas de Portugal, o menino é “parcialmente resgatado” do domínio de guardas reais que o escoltam até o estaleiro de Lagos. É a primeira vez que conhecemos a bravura e a compaixão de Diogo e Dias. Um pouco além desse ponto, fazemos uma interessantíssima viagem no tempo. Voltamos cerca de 65 anos, para uma grandiosa vitória portuguesa sobre os Mouros (povo muçulmano) no Norte da África, em nome da senhora Igreja, contra as almas profanas. Sabem o que é isso? Uma batalha sangrenta, um período conturbado, o “colapso” da Idade Média, e resquícios das famosas Cruzadas. Três Príncipes Infantes de Portugal são honrados com as Ordens e assim assumem um compromisso não só com o país, mas principalmente com a Mãe de Todos.
"O massacre continuou até o início da tarde. Seguindo uma sequência meticulosamente demoníaca, os pequenos vilarejos eram cercados de modo que o ataque causasse o máximo de pânico na população indefesa. Apenas um aldeão era poupado para fugir e avisar a vila mais próxima que a morte estava seguindo como um touro enfurecido, mas não antes de ter um olho perfurado com a ponta de um punhal."
Uma Parte inteira do livro, que é dividido em 10 partes, é dedicada à esse período, merecidamente. Temos a chance de conhecer as intrigas políticas e familiares que estão no cerne do jovem reino, algo que é muito importante para sustentar a narração posterior do romance. O mais interessante, entretanto, é a forma como a parte histórica é retratada tão naturalmente. Eu fiquei intrigada pelos laços interpessoais, pelos jogos de poder, pela fidelidade e pela infidelidade, pela repugnância e pela humanidade dos personagens. Há mortes, debates, rituais e batalhas travadas. Resultado: manipulações, um Rei sem poderes consolidados, uma família em frangalhos, uma conspiração e uma querela entre Portugal e Castella (um dos reinos que virá a compor a Espanha).
De volta àquele “tempo presente” já se passaram 4 anos desde a execução. O que vemos é um Dias afoito chegar ao estaleiro, com atitudes surpreendentes, para enfrentar o mar com uma tripulação de “ratos”. Aqui está outro aspecto curioso da obra: a ambientação. Bom, basta lembrar que é um período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, você provavelmente deve se recordar que hábitos de higiene quase inexistentes, precárias moradias e grandes epidemias compunham o cenário Europeu da época. Como isso é evidenciado na história? Não, nada haver com os textos de livros didáticos. Através daquela linguagem que estamos muito bem habituados: hábitos e ações das personagens, acontecimentos, descrição do tempo e espaço – prosa. E isso é incrível! Uma imersão na história, realista e pouco agradável, mas sensível!
Confira a resenha completa no blog A Thousand Lifetimes:
site:
http://1000-vidas.blogspot.com.br/2014/04/resenha-8-casa-de-avis-marcelo-mussuri.html