Júlio 15/08/2016
Sobre o Livro: Desde Ilíada que uma obra poética (pré século XIX) não havia prendido tanto a minha atenção, e desde a Divina Comédia que eu não me deparava com uma taxa tão alta de passagens memoráveis por capítulo/livro. A obra é dividida em 12 livros, que tratam desde a queda de Lúcifer dos céu até a consumação do primeiro pecado por Adão e Eva e a punição aos homens.
Nessa obra Milton faz um trabalho genial em caracterizar Satã (que pode ser considerado o personagem principal), suas motivações, ações, personalidade, tudo tratado de forma fantástica para ilustrar aquele que representa o mal. Gostei da forma em que o autor quase chega a humanizar a justificar as motivações de Lúcifer, só para depois expor os erros e falhas em sua forma de agir, de forma que o leitor não chega a se identificar com o personagem, mas consegue ter uma imagem nítida de quem e o quê ele é e representa.
Cada livro é cheio de passagens memoráveis e vale a pena ilustrar ao menos uma, que talvez ajude a passar uma vaga idéia do que a obra tem a oferecer. Uma das minhas passagens favoritas é o diálogo entre Gabriel e Satã ao final do Livro IV:
Satã, sei teu poder, sabes o meu,
Não nosso, porém dado. Que loucura
Armarmo-nos, pois tu não podes mais
Do que permite o Céu, nem eu, embora
Duplicado p'ra lama te calcar.
Em que a ação em resposta foi:
Viu o céu o diabo
E o peso que subiu: cede, mas foge
Queixoso, e com ele as sombras da noite.
Passagens como essa permeiam toda a obra, e que na minha opinião são de extrema valia para qualquer leitor, independente do credo, pois Milton consegue utilizar a estética cristã de forma genial. Episódios como a reunião no inferno, os diálogos de Satã com os anjos, as conversas de Rafael com Adão, a tentação de Eva, são apresentados aqui de forma espetacular devido à poética única do autor, e não faltam momentos memoráveis como Miguel mostrando o futuro dos homens para Adão, a batalha entre anjos e demônios e a convergência das cobras no trono do inferno após a vitória de Lúcifer em conseguir tentar Eva.
Vale ressaltar que a leitura, ainda que tremendamente recomendada, não é a da mais fáceis. Não é tão complexo quanto Fausto II, mas ainda sim tive que recorrer ao dicionário diversas vezes, e à internet para uma ou outra citação. Ainda bem que as notas de rodapé existem para ajudar a elucidar boa parte das referências feitas, pois Milton usa como alegoria, além de passagens bíblicas, várias histórias da mitologia, principalmente da grega e romana. Assim como Fausto II, esse livro é quase um compêndio de todo o conhecimento do autor sobre diversas áreas, e como Milton era uma pessoa com uma erudição muito além da média não espere encontrar um texto trivial e mastigado, mas tenha a certeza que a recompensa é maior que o esforço necessário, como costuma acontecer com grande parte dos livros que realmente mereçam a sua atenção.
Sobre a Edição: A Editora 34 está de parabéns, é um caso em que a edição ajuda muito na compreensão e no aproveitamento da obra. As notas de rodapé realmente fazem a diferença e por ser bilíngue dá para ler e fazer uma comparação com o original quando necessário. Além disso a edição conta com as ilustrações do Doré e introdução do Harold Bloom, que ajudam a instigar ainda mais a curiosidade do leitor sobre a obra.
Eu já li outras livros da editora, no caso Divina Comédia do Dante e Fausto I e II do Goethe (todos na versão pocket), e minha experiência é extremamente positiva, tanto com a qualidade das edições quanto das traduções utilizadas. Recomendo para qualquer um que tenha curiosidade sobre literatura clássica, principalmente poemas clássicos.