Paty 12/01/2014"O Pintor Debaixo do Lava-Loiças" é um romance curto, de apenas 170 páginas e muitas delas com algumas ilustrações que são totalmente pertinentes ao contexto da história. E para nos contar essa história, Afonso Cruz se utiliza de capítulos curtos e uma narrativa simples, ou melhor, econômica, direta, porém bela, onde mescla, na medida certa, poesia e filosofia, já que ele se atém ao que é essencial e emocional na história.
Afonso Cruz nos conta a história de Jozef Sors, que nasce numa espécie de mansão, à época do império Austro-Húngaro, filho do mordomo, que é incapaz de compreender metáforas e de uma passadeira que aprecia em demasia a rotina, no final do século XIX. O proprietário da casa é Moller, um coronel do exército, que também tem um filho da mesma idade que Sors, e logo decide contratar um preceptor, um mentor para cuidar da educação dos garotos, sem distinção. No entanto, ao contrário do esperado, os garotos não se tornam amigos: Wilhelm, filho do patrão, é um leitor compulsivo, que considera que "a última página de um livro é a primeira do próximo"; Jozef, a seu tempo, é um desenhista convulso e delirante que não faz outra coisa senão desenhar por todos os lados, seja em papéis, paredes, terra ou até em pensamentos. Mas para o Havel Kopecky, o mentor, nada é mais importante do que ensinar-lhes filosofia desde cedo.
"- Parece-me uma grande felicidade que, quando se olhe para o mundo, pareça sempre que é a primeira vez que o fazemos."
O romance é repleto de personagens interessantíssimas, muito bem delineadas, mesmo que de forma econômica: o pai de Sors, um mordomo que não entende metáforas e abomina armas, o coronel sensível que enfeita os próprios cabelos com flores, a menina Frantiska, por quem Sors nutre um amor platônico, que é sua vizinha e que concebe estranhas teorias, enquanto sente que a empurram no balanço, jogo aliás, que adora; e o próprio Jozef, que também está acostumado com as elaborações de teorias, como a do "problema da dispersão e a lei de Andronikos relativa à árvore de Dioscórides".
"- Somos mesmo esquisitos: a escuridão cega-nos e a luz também. Os olhos fechados deixam-nos sozinhos. Os olhos abertos mandam-nos para a prisão."
O que é ainda mais interessante é descobrirmos que toda essa história tem como pano de fundo, um episódio real na vida dos avós do autor, que realmente esconderam um pintor judeu, que fugia dos nazis, debaixo de seu lava-loiças. É a partir desse episódio, do ato de coragem de seus avós, que o Afonso, que pouco sabia sobre o pintos eslovaco, começa a desenhar e a pintar a vida de Sors nesse belo romance repleto ainda de muito movimento e tragédias familiares.
O livro é um exercício delicioso de imaginação, totalmente imagético e repleto de metáforas, conceitos e certezas inabaláveis, mas que podemos vir a descobrir que até mesmo as teorias mais arraigadas podem cair por terra. Não é um livro que vai defender essa ou aquela teoria ou verdade, mas sim um poético livro de formação, onde o autor deixa claro o quanto acredita no verdadeiro poder transformador da literatura.
"Só sobrevivemos numa corda muito fina estendida sobre um abismo. Todo o ser vivo é um equilibrista. Todo o ser vivo é um mau equilibrista. Acabará sempre por cair."
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