Vinicius.Dias 23/01/2023
A trajetória do luto do maior baterista dos últimos tempos
Para aqueles que não estão familiarizados com o nome do autor, Neil Peart foi e ainda é um dos maiores bateristas da história do Rock'n'Roll, sendo o responsável pela base rítmica da lenda canadense de Progressive Rock: Rush. Também foi considerado o melhor do mundo pela revista Rolling Stone e incluso no Hall da Fama em 1993. Além de um grande baterista, esse gênio era um prolífico compositor e escritor nato, tendo publicado mais de 10 livros em toda a sua vida. Porém, nem só de glórias viveu nosso herói das baquetas. Uma parte de sua vida foi de luto pela perda da filha de 19 anos, seguido de uma depressão profunda da esposa e um tumor terminal que acabou por também levá-la de seus braços em um curto espaço de tempo. Tragédia após tragédia, em pouco mais de um ano sua vida e visão de mundo foram abaladas e, numa busca por movimento e cura, caiu na estrada sozinho, pilotando a sua moto e levando um saco de dormir, um galão de gasolina extra, alguns livros e um coração e alma despedaçados em sua bagagem.
Esse livro retrata justamente esse momento da sua vida, com um início emocionante, que me levou as lágrimas, no qual ele conta como foi o dia em que recebeu a notícia devastadora de que sua filha havia falecido em um acidente de carro e toda a forma como ele e sua esposa enfrentaram o luto, a doença e de novo, mas agora sozinho, o luto outra vez. Ele colocou em prática o conselho de sua esposa: "Suba em sua moto e vá viajar!" como forma de seguir adiante e fugir de seus pensamentos. Acabou pilotando por mais de um ano, percorrendo estradas entre o Alasca e o México, passando pelo oeste do EUA e seus desertos, além de outras viagens pela costa do pacífico, leste canadense e leste norte americano.
Durante as suas viagens, vamos acompanhando através de anotações de seus diários e de cartas enviadas para amigos a evolução dos estágios do luto, os pensamentos filosóficos sobre a fragilidade da vida, as estadias em que ficou, os restaurantes em que comeu, os parques que vistou e as pessoas que foram passando em seu caminho. De maneira bem descritiva, o Neil te coloca em contato com toda a vida e natureza dos locais em que se encontrava. Você sente frio e calor junto com ele; sente cansaço e prazer nas caminhadas e explorações junto dele; Sente raiva e alegria junto com ele. Sente esperança e se frustra com as pessoas assim como ele. Ou seja, esse é um livro sobre a vida na mais pura essência. Uma confluência de sentimentos bons e ruins que todos nós convivemos diariamente em nossas vidas.
Ele aborda o sentimento da sua alma de bebê que precisa estar em movimento para se sentir calma, apresenta as várias personalidades que foram surgindo no seu luto, desde a garotinha de 14 anos que chorava ouvindo boy bands, passando pelo solteirão festeiro que queria morar em Hollywood, até o piloto fantasma, que atravessa estradas fantasmas percorrendo memoriais fantasmas e se relacionando com fantasmas de seu passado. Tudo isso, numa escrita muito fácil e contagiante.
O que eu acho mais brilhante no Neil e nos seus livros é que ele te leva para um nível de intimidade muito maior que qualquer outra biografia possa querer atingir. É quase que uma conversa direta com a sua alma, apresentando seus medos, arrependimentos, tristezas, esperanças (ou a falta dela), alegrias, tédios, vícios e fragilidades. Diferentemente do que se espera do rockeiro fodão e membro de uma das principais bandas de sua geração, o Neil se permite ser um homem alcançável e esse, acredito, é o maior presente que ele pode dar para seus fãs.
Se você curte Rush, curte estradas, curte natureza e sonha em sair sem destino por aí pilotando a sua moto, não deixe de ler esse livro lançado pela editora Belas Letras. É uma ode ao motociclismo e nos mostra, que apesar de toda a escuridão que a nossa vida pode acabar conhecendo, a gente, na maioria das vezes, vai conseguir encontrar uma luz no fim do túnel e seguir adiante. O que importe é sempre se manter em movimento.
Eu amei esse livro e passei a admirar ainda mais o Neil Peart após a sua leitura. Espero que você também se dê essa chance de conhecer e entender um pouco mais do homem por trás do nome. Você não vai se arrepender!
"E então que me dei conta... Enquanto eu estava lá no topo de Telescope Peak, Death Valley - O Vale da Morte aparecia diante dos meus olhos, mas ele também tinha ficado para trás. Mais uma vez, havia grandes mudanças no horizonte." - Peart, Neil.
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