spoiler visualizarFilipi 28/04/2012
Xingu
Ok, antes de começarmos, seria bom que um ponto fosse salientado.
A autoria desse livro não corresponde, exatamente, aos irmãos Villas Boas. A primeira parte corresponde a uma história ocidental, na qual a duplinha nos fala sobre o que sabem do passado das tribos que habitam o Parque do Xingu. De onde vêm, porque vieram e do que se alimentam. Ok, essa é a primeira parte e tem umas setenta e poucas páginas.
As outras cerca de cento e cinquenta páginas, são, basicamente, os mitos dessas tribos transcritos. Os Villas Boas se preocuparam em não interferir nas narrativas: segundo eles, tudo está nos dizeres dos índios. Mas é aí onde eu quero chegar. A maior parte desse livro é de autoria indígena, senhoras e senhores. Sim, graças aos irmãos malucos que se tocaram dentro do mato - algo assaz impensável para muitos de nós - essas histórias viraram esse livro que estamos lendo. Ótimo, obrigado irmãos Villas Boas! Mas, com todo o respeito, pôr os nomes das etnias no frontispício não ia dar muito mais trabalho pro diagramador e pro artista da capa. E ainda por cima, seria ético! Com todo o respeito, claro.
Os manos dizem que o livro não representa um trabalho de antropologia, em algum lugar do prefácio. Tampouco ele é um esforço literário, todavia, embora no início eu tenha lido umas passagens bonitas. Eu já li uns relatos de viajantes, mas o livro não parece isso também. Enfim, se alguém quiser me dizer o que essa obra é, eu agradeço. Porém, como isso não importa muito nesta resenha, acho esse parágrafo todo inútil. Desculpem.
Mentira, não é inútil. Se o livro não é uma coisa que eu conheço, acho que fica difícil resenhar ele. Não tenho critérios para coisas que não conheço. Então, vou grifar momentos e reflexões que tive enquanto lia ele. Tipo, alguém já leu "Mito e Significado" do Levi-Strauss? Nesse livrinho que dá pra ler no ônibus, o véio faz uma interpretação que os mitos são, na verdade, como os povos entendem seu passado. Para eles É REAL. E o fato dos Villas Boas terem feito um histórico (com pouquíssimos marcos temporais, tristemente) cria um link legal. São duas visões, a ocidental-branca-caraíba e a indígena; sobre quais são as origens dessa galera que mora lá no Xingu. Sério, achei isso bem legal, embora acho que os barbudinhos pudessem ter se esforçado mais no trabalho de casa deles.
Tudo bem, já que esse é um livro para caraíbas e eu sou um caraíba, então interpretarei do ponto de vista caraíba. Tem VÁRIAS passagens que deixam a entender como os indígenas compreendem e trabalham o mundo à sua volta. Veja bem, deixam a entender. Eu não entendi muito da lógica dos mitos, só entendi o essencial: ela é diferente da minha. Eu estudo um pouco de antropologia e conheço alguns conceitos da área. Isso me ajudou a interpretar algumas coisas. Mas minha preguiça interminável impediu que eu tomasse nota; vou fazer a única interpretação que me lembro.
Vou transcrever aqui e clicar na caixinha do "spoiler":
"Terminada a luta e morto todo o pessoal da onça, a gente brava ficou reunida no terreiro. Aí eles resolveram matar Rit e o irmão Une. Rit falou:
- Como vocês vão fazer isso, meus filhos? Eu que fiz vocês. Como é que vocês vão matar o seu pai? Se eu não aparecesse, vocês não nasceriam.
Todos concordaram e disseram:
- Ó, isso é verdade. Ele é mesmo nosso pai. Não podemos matá-lo."
Eu ocidental estou acostumado a ter reflexões a partir de questionamentos. Só que essa passagem - no MEU ver - mostra o quão diferente a reflexão, a pergunta, é pra esses grupos. Quando eu me pergunto, resumo a ideia em um sinal: "?". Ali, na passagem, não. Os caras estavam lá, passando a faca em todo mundo da aldeia, daí iam matar o pai. Daí o pai propõe a reflexão, sem perguntar. E daí os caras se dão conta, poxa, é verdade, não podemos. Não sei se me fiz entender, mas a reflexão deles não me parece totalmente subjetiva como é pra nós. Ela é mais coletiva, surge a partir do outro. Interessante né?
Finalizando. Resolvi dar três estrelas, "bom", mas, na real, o livro em si merecia um "ótimo". Por quê? Gosto das passagens indígenas, são as melhores de ler, mas requerem desenvoltura. Quando comecei a ler elas, eu ficava com sono. As coisas não se ligavam direito, parecia "Macunaíma", mas com menos vocabulário. Demorei até me acostumar, mas depois fluiu tranquilamente. Como comentei antes, os manos Villas Boas poderiam ter historicizado melhor o passado daqueles grupos, mas também posso estar exigindo demais deles. A edição tem capa dura, o que eu acho que muitos livros deveriam ter. Me diverti lendo ele, mas ir e voltar no modo de narração indígena me cansou legal.