Clóvis Marcelo 19/08/2015O livro fica no meio termo entre uma compilação de cartas e um romance. É difícil considerá-lo uma não ficção, levando em conta a narração sob a perspectiva do amor, que dá um toque irreverente a história. Este narrador se descreve como perfeccionista e obcecado pelos detalhes, nada que o impeça de ser um bocado descuidado com as consequências dos sentimentos que provoca com suas flechas.
Caio e Maria Augusta se conhecem em maio de 1947, ele aos 15 anos (um homem que iria caminhar entre o carinho e o ciúme), e ela aos 14, (mulher que passaria do divertimento ao drama, do exagero a paranoia num estalar de dedos), quando ele foi com amigos paquerar perto da Fonte da Saudade, na zona sul do Rio, nas redondezas da casa da jovem.
Apaixonados, entre crises e declarações, os dois se casam em novembro de 1953 – isso, após um ultimato dela, que pôs a aliança de noivado na boca e ameaçou engolir com um gole de Coca-Cola se ele continuasse adiando a cerimônia –, e têm três filhas.
Todo o sentimento que eles compartilham não impede que a personalidade exuberante de Maria Augusta se torne mais obsessiva e asfixiante com o passar do tempo, apesar dos medicamentos e dos tratamentos psiquiátricos. Caio, por sua vez, aprofunda uma melancolia que sempre existiu nele, e que culmina nos anos 1970 em tentativas de suicídio.
Mais do que uma história com um final dramático, trata-se de memórias afetivas que alternam momentos de intensa felicidade e outros tantos de dor, como acontece nas melhores famílias.
O jeito que a Adriana concatenou as ideias, mostrando a vida em ordem cronológica nessa história de amor epistolar é super interessante. Mostra uma realidade que no cotidiano não paramos muito para sopesar. De que sinais são dados ao longo dos dias para tragédias ou benfeitorias que venham a acontecer em nossas vidas.
Um livro que conquista pela criatividade com que foi feito, com a realidade e singularidade dos sentimentos que os personagens demonstraram (cartas e imagens falam por si), e os ensinamentos e reflexões trazidos pelo cativante narrador conhecido por todos como Amor.
CITAÇÕES
"Em certas ocasiões me confundem com outros sentimentos, o que me irrita profundamente. Tem gente que, ao ser atacada por uma paixonite qualquer, já sai anunciando: “Estou amando”. Uma atração à toa, um arrepiozinho, uma admiração mais forte e lá vem meu nome à tona. Em se tratando de alguma obsessão, seja lá de que tipo, sou sempre uma ótima justificativa."
"Amar subentende agir: praticar, lutar, se dedicar, se lançar, se envolver, cuidar, conceber, compreender, construir. Subentende, ainda, se for o caso, se abster de algumas coisas em função de outras. Ou apenas ter paciência. Não agir também é uma forma de agir, não fui eu quem formulou esse pensamento, foi um filósofo por aí. Agindo ou não agindo é preciso muita capacidade, altruísmo, liberdade, nobreza e, ao menos, um pouquinho de loucura para amar de verdade. Nem todo mundo sabe amar de verdade. Eu me recuso a me entregar de verdade a qualquer um sem prévia seleção. Sempre escolho aqueles que têm algum mérito."
"Se tem uma coisa que me encanta é acompanhar os momentos de virada na vida das pessoas. Uma decisão, uma desistência, um desvio, uma pergunta, um silêncio, e de repente uma possibilidade de futuro desmorona e uma outra aparece, inesperadamente. Muitas vezes as pessoas nem percebem na hora que aquela hora é decisiva. Quando vêm enxergar isso, já tomaram um caminho que pode terminar em arrependimento, ou em alívio. Penso que se fosse dado aos humanos o direito de voltar atrás e mudar algum ponto da trajetória, talvez eles passassem a eternidade para trás e para a frente e suas histórias não terminassem nunca. Nem todo mundo consegue identificar em que ponto, exatamente, este ou aquele rumo se traçou. Mas eu consigo."
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http://defrentecomoslivros.blogspot.com/2015/08/resenha-queria-ver-voce-feliz-adriana-falcao.html