Caverna 20/02/2019
Melody é uma garota alegre que tem muito a dizer, mas não pode por conta de sua paralisia cerebral. Ela nascera assim, portanto nunca tivera como se comunicar e mostrar como era inteligente para as demais pessoas. Seus pais sempre souberam, pelo seu olhar e seus gestos limitados, o quanto ela era mentalmente capacitada, mas os médicos os contradiziam: Melody sofria de um profundo retardo. Ela não tinha controle sobre seus movimentos, precisando ficar sempre presa à cadeira de rodas, e necessitando de cuidados especiais. Seus pais se desdobravam entre o trabalho e tomar conta de Melody, evitando que ela caísse, se engasgasse, babasse, a levando ao banheiro, tomar banho, e a carregando para todos os cantos.
E o que Melody mais odiava era sua incapacidade de reproduzir tudo o que estava passando pela sua cabeça. Sua falta de movimento físico e da fala produziam a impressão de que ela não compreendia nada do que estivesse acontecendo ao seu redor, mas a verdade era outra. Melody era dotada de uma inteligência extraordinária. Ela conseguia lembrar de absolutamente tudo o que vira na televisão, todos os mínimos detalhes e até mesmo desnecessários, e não poder expressar suas opiniões ou apenas conversar era o que mais a frustrava.
Junto de sua cadeira de rodas, havia um painel com algumas palavras, as mais comumente usadas por ela, e Melody apontava para essas palavras estratégicas quando lhe faziam alguma pergunta ou quando quisesse pedir algo aos pais. Ainda assim, nem sempre era uma tarefa fácil. A dimensão de seus pensamentos não se comparava à pouca quantidade de opções que haviam no painel, e muitas vezes Melody se estressava, esperneando e gritando.
Nos primeiros anos de escola, Melody fez parte do grupo de alunos especiais. Nenhum deles possuía a mesma deficiência que a sua, mas todos de alguma forma mereciam o tratamento diferencial. Melody não reclamava, mas também não aprendia nem 1% do que aprendia em casa mesmo, assistindo documentários na televisão. Custou para um professor compreender o que mais agradava a cada aluno, quais suas restrições e seus níveis intelectuais, e quando isso acontece, eles passam a ter algumas aulas em conjunto com os demais alunos, considerados “normais”.
Um dia, uma garota aparece com um notebook, e Melody tem uma ideia genial, lembrando de Stephen Hawking. Ela precisa de um computador onde ela possa digitar e o som das palavras sair através dele. Seus pais logo aprovam a ideia e providenciam o aparelho que muda a vida de Melody por completo.
É durante as aulas em grupo que Melody participa de um teste de conhecimentos gerais e é escolhida para fazer parte da equipe do colégio, e assim junto de mais quatro alunos irá representar a escola numa olimpíada. O orgulho dos pais e de sua cuidadora, Catherine, é imenso, e Melody une forças para enfrentar a platéia, os julgamentos e o próprio nervosismo, e mostrar do que é capaz.
Encontrei esse livro no estande da V&R editora durante a Bienal por um preço maravilhoso e a sinopse me atraiu logo de cara. Sabia que seria necessário o momento propício pra leitura, pra poder absorver tudo o que ela tinha a transmitir, e o timing foi perfeito, porque não só me envolvi profundamente com a história de Melody, como devorei o livro num dia só.
Como podemos perceber, a vida de Melody não é fácil. Seus pais são grandes heróis por todo o esforço e dedicação contínua. Melody retrata em primeira pessoa o quanto gostaria de se comunicar e realizar tarefas triviais, e isso toca muito o leitor. Nos faz lembrar de que devemos agradecer diariamente por termos saúde, família e um lar.
E apesar de todas as suas dificuldades, enxergamos claramente que o maior problema, no fim, não é a paralisia cerebral em si, e sim o pré-conceito das pessoas, o famoso julgar sem antes tentar conhecer e se aproximar. A autora traz uma narrativa leve e até mesmo animada, mas é muito triste ver o quanto as pessoas se afastam de Melody somente por ela ser diferente. E mais: Não acreditam em seu potencial, muito menos na sua inteligência.
Melody e as outras crianças tem apenas onze anos, portanto é natural haver dúvidas e inclusive curiosidade a respeito de sua condição, mas os adultos agirem feito babacas é a pior parte e a que definitivamente não há justificativas. E o mais triste ainda é pensar que muitos deficientes sofrem esse tipo de julgamento com frequência.
Na escola onde estudei eu tinha um amigo cadeirante que também tinha dificuldades com a fala e em se locomover. Até hoje não sei exatamente o que ele tem, mas felizmente todos do colégio eram muito bons com ele e o tratavam como igual. Sempre o convidávamos pra sair, o acompanhávamos nos corredores e dávamos risada junto dele. O sofrimento de Melody por não ter amigos e ser sempre excluída é grande e nos sentimos no seu lugar.
Fora de mim é um livro que promove muita reflexão e lições. Um livro para aprendermos a amar o próximo e a respeitá-lo. Melody é uma protagonista extremamente forte e admirável que me deixou com vontade de saber tudo o que ela ainda conseguiria conquistar. Um livro que comove e que eu indico para todos!
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