Anel de vidro

Anel de vidro Ana Luísa Escorel




Resenhas - Anel de vidro


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Sebo Por Todo C 13/12/2015

Era vidro e se quebrou
Como a própria autora faz questão de afirmar em suas entrevistas, escolheu um tema banal para com ele burilar a escrita. Se fosse capaz de realizar a tarefa, estaria assim alçada à categoria de escritora, expert manipuladora da escrita.



Livro ganhador do Prêmio São Paulo de Literatura, categoria autor, marca o início da carreira como escritora de Ana Luisa Escorel, designer, com livros publicados em sua área profissional.

Com um tema explorado desde os tempos bíblicos, Ana Luisa Escorel apresenta os personagens e os transforma em protagonistas, já que cada um tem seu espaço reservado em capítulos independentes.

No primeiro capítulo, a mulher que trai. Está no segundo casamento e novamente insatisfeita, sentindo "a falta de alguma coisa que a moça não sabia o que fosse".

No segundo capítulo, o homem que trai. A entrada paulatina na cotidiana irritação de quem eram vítimas a mulher e as filhas, afastando-as de seu interesse, completamente voltado para o novo e exigente cargo em alguma estatal ligada à cultura. Mergulhado em uma crise pessoal, esse homem que parece ter por volta de quarenta anos observa com olhos cobiçosos as mulheres que nunca antes imaginou algum dia ter interesse.

No terceiro capítulo, a mulher traída. Desenvolta, profissional reconhecida, independente, senhora de suas opiniões, vê o marido desinteressar-se pelo casamento antes tão sólido. Aguardando que a crise do homem fosse uma fase passageira, suporta a chegada de suas ondas incontroláveis de irritação, sua falta de interesse por qualquer coisa que se relacione à família, mesmo quando ela fica doente, necessitando de cuidados e acompanhamento no tratamento doloroso e prolongado. Pelo visto, do marido nada poderia esperar.

No quarto capítulo, o homem traído. De origem humilde, encontra apoio nos tios e primos, família por quem é acolhido na chegada à cidade para onde vem para trabalhar e, quem sabe, continuar os estudos. Se sai bem, encontra o sucesso no mercado de capitais e a estabilidade afetiva no primeiro casamento, o suficiente para ampliar suas conquistas profissionais. Ainda casado, apaixona-se por aquela mulher tão diferente de sua origem social, vinda de família tradicional e bem relacionada. Não vê outra saída a não ser abandonar o casamento estável e o filho pequeno e juntar-se ao seu novo amor. Para ele, a família é importante. Relaciona-se bem com a ex-mulher e faz questão de estar presente na formação do filho. Se vê no meio de um furacão ao perceber que é traído.

Pois é, Ana Luisa Escorel consegue o seu intento em O ANEL DE VIDRO que, por meio de sua narrativa, apresenta sentimentos universais em um momento conturbado na vida dos personagens: compreensão, irritação, solidariedade, vergonha, reconhecimento, repulsa, identificação e tantos outros mais que só a vida nos apresenta. O tema é universal e provoca no leitor um certo desconforto ou simpatia ou impaciência e pensamentos do tipo "bem sei onde isso vai dar". É claro. Quem antes não se viu de um lado ou de outro a viver acontecimentos, ou melhor, sensações semelhantes. A autora provoca a reação do leitor, apesar dos personagens pertencerem a uma classe social privilegiada, causando, talvez, pouca simpatia e um certo afastamento. A vida é deles, o problema é deles mas os sentimentos ali apresentados são de todos nós.




Trecho Predileto, p. 1
"A praia era outra -- areia áspera, ondas frias --, o litoral, o mesmo. Apenas muito abaixo na imensa costa amparada pelo mar. Tempos atrás sensação parecida: imersa até as narinas na água morna, filho pequeno, e o marido lá com os amigos sobre os grãos macios, textura de pó de arroz. Olhando o grupo de longe, descolou no intervalo de um relance daquela sina atrelada ao casamento recente:
-- O que eu estou fazendo aqui? -- as palavras sopradas de fora para dentro, ela meio submersa e o aperto na boca do estômago. Dias depois fez as malas pegou o menino e foi-se embora para perto das irmãs, do pai, da mãe e da única cidade onde sabia viver: a sua. Não houve apelo nem promessas que adiantassem. Não queria e estava acabado. Tudo acabado.
Vida refeita, casamento novo, o filho crescido criado por um pai que não era dele, e mais uma vez a falta de alguma coisa que a moça não sabia o que fosse. Sentimento familiar sete anos depois, batendo na mesma altura do corpo em horário de sol a pino. Olhou fixo do mar para a areia retomando o ângulo seu conhecido. Fora, apenas o nariz, olhos e parte da cabeça. Era como se punha, sozinha, estranhada de tudo, observando, dentro d'água, o que estava próximo, escapar: o segundo marido, os amigos, a camaradagem com a irmã caçula, com os ambulantes da praia, aplainados, um a um, pela inelutável sequência de todos os dias.
-- Saco!"

site: http://trechoprediletoliteratura.blogspot.com.br/
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