Recruta.Zero 03/10/2017
Mitologia muito rica, de leitura por vezes enfadonha
Já tinha vontade de ler Lovecraft há algum tempo. É um dos precursores da chamada “literatura de horror”, influenciou muita gente boa, e tinha me deixado uma boa impressão quando li “O caso de Charles Dexter Ward”, conto que também compõe o livro. Assim, parti pra leitura dessa coletânea.
Ao final achei o livro razoável, contando com alguns contos bons e excelentes, misturados a outros cuja leitura é um exercício de paciência.
Além da linguagem datada (os contos foram escritos no início da primeira metade do século XX), o autor adota uma linha extremamente descritiva, se atendo aos mínimos detalhes principalmente das paisagens e localidades. Isso nem sempre é um problema, mas se torna bastante enfadonho em alguns momentos, não só por se alongar muito, mas também porque por vezes se refere a lugares titânicos, construídos por civilizações antigas e esquecidas, e também zonas pertencentes ao mundo dos sonhos (“ciclo dos sonhos”). Lá se vão páginas e páginas descrevendo minuciosamente lugares imaginados e imaginários. Pense em alguém descrevendo os mínimos detalhes das abóbodas das edificações de uma cidade construída por uma raça esquecida, isso depois de ter descrito a cidade toda... Fica cansativo.
É bom esclarecer, o nomeado “ciclo dos sonhos” consiste em histórias passadas na mente sonhadora de alguns personagens, inclusive um alter ego do autor (Kuranes), que aparentemente retirava suas inspirações de sonhos. E aí mais divagações e divagações, paisagens oníricas descritas na linguagem nem sempre fácil utilizada. Ao menos na minha experiência, essa parte foi uma das mais enfadonhas.
O lado bom, é que a mitologia criada é extremamente rica e interessante. O autor descreve raças ancestrais que habitavam a terra e nosso universo muito antes do homem (“o homem não é o primeiro senhor da terra, e nem será o último”), seres alienígenas e outros que nem pertencem ao nosso “espaço-tempo”, demônios ancestrais que ainda habitam a terra, em um estado latente, e cuja mera visão nos levaria à loucura.
Essa riqueza de mitologia é extraordinária e a maioria dos contos se liga a ela: “Cthulhu” e sua prole, “Yog Sothoth”, as raças que habitam as montanhas, aquelas que habitavam a Antártida, e suas relações com os seres humanos, sempre marcadas por bruxaria, demonologia, necromancia, e a inevitável loucura. Enfim, terror puro e ancestral, que supriu bastante minhas expectativas.
Como dito, achei o livro razoável, com algumas partes bem difíceis de ler, e indico fortemente a leitura de alguns contos, sendo excelentes, na minha opinião, "O chamado de Cthulhu", "A cor que caiu do espaço", “O horror de Dunwich" e "O caso de Charles Dexter Ward". Constam alguns outros que valem a pena, mas não voltaria a lê-lo (inteiro) novamente.
Em uma intertextualidade bacana, quem jogou Bloodborne (jogo incrível da From Software para Playstation 4) pode confirmar que é realmente bastante inspirado em Lovecraft. Tudo muito subjetivo e nada explícito, mas um cenário, em específico, parece ter sido diretamente das páginas de um dos contos (“O que a Lua traz consigo”).