Henrique Fendrich 20/06/2019
Acho que dificilmente encontrarei um melhor contista de aventuras que Jack London. Impressiona como ele consegue fazer com que nós realmente nos esqueçamos de nós mesmos e entremos na trama que ele narra. Muito disso, aparentemente, é resultado da objetividade da sua linguagem. London, de fato, não se perde em floreios estéticos, o que não significa que seja superficial. Além disso, ele demonstra ter bastante habilidade em manter o suspense ao longo da narrativa, além de privilegiar situações-limite que aguçam mesmo o interesse do leitor.
Nessa seleção, um dos contos que mais gostei foi “Fazer uma fogueira”, em que acompanhamos avidamente a trajetória de um homem em meio a uma tempestade absurdamente fria no Alasca. As histórias de London no Alasca são especialmente boas.
“O China”, que é também chamado de “O Chinago”, também me chamou muito a atenção. Ao falar sobre um chinês que foi condenado à morte no lugar de outro devido a uma confusão de nomes (sendo que nenhum dos dois havia cometido o crime que lhe imputavam), e demonstrar como todo o “establishment” não recua em sua decisão, por mais que todos tenham percebido o erro, London expõe a crueldade de uma sociedade que se considerava moralmente superior aos chineses. Os brancos não torturavam os suspeitos em busca de respostas, mas isso não significa que tivessem preocupação humanitária ou algo semelhante – em nome da hierarquia, do sistema e da burocracia, eles continuam sendo cruéis e desumanos. Trata-se, bem se vê, de um conto “intencional”, no sentido de que o autor passa uma mensagem ou uma visão de mundo com destino claro.
Entretanto, isso é feito de forma sutil e sem prejuízo literário – ao contrário. Por outro lado, na primeira parte do livro, estão os contos “políticos” de London. Neles, por vezes, a fronteira entre a literatura e o panfletarismo foi transposta. Entre os que mais me agradaram, está “O herege”, que tem, também, o seu caráter propagandista, mas pinta um cenário tão desolador para um pobre adolescente explorado desde cedo no trabalho que é quase impossível não se identificar e tomar o seu partido.
Um aspecto interessante, nessa primeira parte dos contos do livro, é a constância que a “fuga” desempenha um papel decisivo na trama. Os personagens de London estão sempre fugindo, seja para escapar da exploração, para fugir de uma “megera” ou para se livrar da vida burguesa. Isso é muito compreensível, se pensarmos na vida extremamente movimentada que London levou, indo de lá para cá.
À exceção dos dois primeiros textos, que são testemunhos políticos, nos outros, apesar desse tom, há ainda a mesma habilidade de London em fazer com que adentremos na sua história. Isso é habilidade dos grandes.