brunossgodinho 04/06/2018As múltiplas Idades Médias e suas filosofiasEste livro de Alain de Libera se apresenta como um manual de história da filosofia. Sem dúvida, o autor consegue cumprir o intuito introdutório do tema, ao mesmo tempo que renova a perspectiva histórica sobre o período e o objeto de pesquisa.
A Idade Média historicamente representada é, correntemente, eurocêntrica. Libera começa por desfazê-la: não existe uma Idade Média. Existem várias. Cada local possui seu período medieval e esses períodos não são necessariamente concomitantes. Mas, essa diferença de temporalidades se dá, principalmente, na estrutura de pensamento da sociedade em questão. Os árabes, herdeiros mais próximos dos gregos no caminho da
translatio studiorum (translação dos estudos), inovam e muito a filosofia. A Idade Média do pensamento árabe ocorre muitos anos antes da Idade Média do pensamento do ocidente latino.
Na realidade, os
moderni ou
latini (como os medievais europeus se referiam a si mesmos) herdam muito pouco da cultura e da filosofia gregas. Ou, ao menos, puramente gregas. O espólio que resta ao Ocidente é um emaranhado ou, mais precisamente, um bordado cujos pontos são amarrados pelos pensamentos grego antigo (aristotélico, platônico, neoplatônico), bizantino, árabe e judaico. Uma história despojada de preconceitos e que deseja retratar fielmente o passado medieval deve atentar para isso: o pensamento da Idade Média não possuía um centro que iluminava o resto do mundo. Pelo contrário, cada cultura costurou uma parte da trama.
Alain de Libera é uma potência intelectual pouco reconhecida no Brasil. Possui apenas três livros traduzidos de uma obra que remonta a mais de 20 ou 30 anos. Suas poucas contribuições, no entanto, fornecem ao leitor e pesquisador brasileiros uma saída do etnocentrismo tornado clássico por livros de referência como os de Étienne Gilson — referência datada, com quase 100 anos de sua publicação, é necessário demarcar. Fica o desejo que apareçam mais de seus livros e que este ganhe reedições.