Onde Estivestes de Noite

Onde Estivestes de Noite Clarice Lispector




Resenhas - Onde Estivestes De Noite


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Léia Viana 23/06/2011

“A monotonia, porém, era o que a sustentava”
Clarice Lispector consegue colocar em palavras o seu jeito peculiar de ver o cotidiano. É impressionante a maneira que ela tem de desvendar a nossa alma, o nosso mundo e os nossos sentimentos.

“Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce, arde, flameja”.

Clarice é de indispensável leitura!
LeLOUCA 03/08/2016minha estante
A primeira vez que leio Clarice Lispector... Não estou entendendo direito a escrita dela, isso é normal por ela ser completa ou tem algum problema comigo?


Léia Viana 04/08/2016minha estante
Nenhum problema com você. Nem pense uma coisa dessas! Clarice é uma escritora muito subjetiva, tem muita gente que não gosta, outros que apenas apreciam alguns fragmentos e outros que a amam (me incluo nessa), alguns livros não são fáceis. Por qual você começou?


LeLOUCA 05/08/2016minha estante
Muito obrigado pelas suas palavras compreensivas! Comecei por este Onde Estivestes à Noite... mas estas resenhas estão me ajudando a compreender como devo contemplar o livro.




Jeison 14/07/2011

Onde Estivestes De Noite
Sem dúvida, dentre os livros da Clarice Lispector que já li, esse é o mais soturno. Um livro de contos, não sei se selecionados pela própria Clarice, para se ler de noite, experimentando o bizarro de cada conto, seja ele na estrutura, no tema, ou na maneira de se contar uma história.
Apesar do primeiro conto eu já conhecer e achá-lo incrível, houve um certo estranhamento no início do livro a partir dele, mas que, se tratando de um livro da Clarice, acho que é necessário.
Enquanto lia, dei ao livro, aqui no Skoob, três estrelas, "bom", mas alguns contos a frente, um sonho bizarro, algumas verdades escritas, precisei mudar pra 5 estrêlas, "ótimo", e é realmente ótimo! valeu muito mais que meus dez reais!
Falando rapidinho de alguns contos:
O primeiro, "a procura de uma dignidade", é ótimo! Aracy Balabanian lendo pra você fica ainda melhor...hahaha! O segundo, "A partida do trem", faz inclusive uma intertextualidade com o primeiro, bem legal.
"Onde Estiveste de Noite" eu achei bizarro, li e dormi em seguida, de manhã alguma coisa me perguntou, onde estivestes de noite?, a resposta eu não digo e é bizarra demais.
"Silêncio", é um dos mais bonitos do livro, senão o mais bonito! "Esvaziamento", é uma verdade, pura verdade, constatação de uma verdade, excelente!
"As água do mar", outro lindo, rivaliza com o "Silêncio" como conto mais bonito do livro, na minha opinião!
Ou seja, ótimo livro, muito recomendado!
abraços!
LeLOUCA 03/08/2016minha estante
A primeira vez que leio Clarice Lispector... Não estou entendendo direito a escrita dela, isso é normal por ela ser completa ou tem algum problema comigo?


Jeison 04/08/2016minha estante
Não tem absolutamente nada errado com você! Clarice é uma escritora complicada mesmo, mas eu aconselharia você a insistir... acho q tudo que nos engrandece, também nos faz sofrer um pouquinho... Qualquer coisa deixa ela de lado um pouco, parte pra outras leituras, e volta nela outra hora... bjos


LeLOUCA 05/08/2016minha estante
Muito obrigada pelo seu conselho compreensivo!




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LeLOUCA 03/08/2016minha estante
A primeira vez que leio Clarice Lispector... Não estou entendendo direito a escrita dela, isso é normal por ela ser completa ou tem algum problema comigo?


Paulo 07/08/2016minha estante
Mas este é o primeiro que lê? Sugiro começar com "Laços de família"!


LeLOUCA 07/08/2016minha estante
Obrigada




Anderson 18/12/2014

Tudo é um sonho
Comecei a ler este livro de trás para frente. Depois comecei a selecionar quais contos eu leria através dos seus títulos. Quanto o terminei cheguei a conclusão de que lê-lo foi simplesmente como se estivesse sonhando acordado.
A quase cada parágrafo, era como se um novo devaneio fantástico surgisse num sonho. E não adianta forçar sua mente para querer entender o que Clarice nos conta em cada história neste livro. Afinal, e por muitas vezes, não entendemos nossos sonhos.
Me diverti muito ao adentrar nas páginas de Onde Estivestes de Noite.

Tenham bons sonhos...
LeLOUCA 03/08/2016minha estante
Eu tô me achando muito burra por não estar entendendo muito bem a leitura. Mas Esse seu comentário me deu alívio.


Anderson 03/08/2016minha estante
Que bom ?


LeLOUCA 03/08/2016minha estante
??????




Clóvis Marcelo 14/01/2015

Com uma literatura ingênua, crua, e verdadeira, Clarice interliga os contos presentes em Onde estivestes de noite, deixando ainda a sensação de que algumas reminiscências de outras coletâneas foram utilizadas.

Deus, vida, morte. São alguns dos termos citados em alguns momentos diversos desse livro. Engana-se quem pensa que as palavras são ditas a esmo, tudo contém o existencialismo atrelado ao cotidiano do jeito Lispector de ser. A velhice, precisamente a faixa dos 70 anos é vista mais de uma vez, teria ela medo de envelhecer ou pura curiosidade da ação do tempo?

Solidão, silêncio, vazio. Palavras com sentido semelhante, mas que expressam sentimentos diferentes ao longo das digressões do eu lírico. Natureza, como não amá-la? E Clarice preza por sua apreciação, observação, interação. Daí vem à conseqüência das últimas três palavras-chave citadas.

Eis os 17 contos descritos em ordem de aparição:

1. A procura de uma dignidade
2. A partida do trem
3. Seco estudo de cavalos
4. Onde estivestes de noite
5. O relatório da coisa
6. O manifesto da cidade
7. As maniganças de Dona Frozina
8. É para lá que eu vou (Preferido)
9. O morto no mar de Ucra
10. Silêncio
11. Esvaziamento
12. Uma tarde plena
13. Um caso complicado
14. Tanta mansidão
15. As águas do mar
16. Tempestade de almas
17. Vida ao natural

A visão lírica de um macaquinho é captada numa viagem de ônibus (“Uma tarde plena”); uma velha perde o rumo e gira em parafuso no estádio do Maracanã, que se transforma num labirinto (“A procura de uma dignidade”); os caminhos de duas mulheres – uma jovem, outra velha – cruzam-se numa viagem de trem que as conduz a caminhos diferentes (“A partida do trem”); dois amigos se distanciam porque o que tinham a dizer um para o outro se esgotara (“Esvaziamento”); e o movimento de personagens em direção à orgia noturna, onde as regras do dia são suspensas e prevalece a lógica do sonho (“Onde estivestes de noite”, conto que dá título a coletânea).

Recomendo aos que já conhecem o trabalho da escritora e também aqueles que nunca leram nada de sua autoria. É um bom começo para se apaixonar por seu jeito delicioso de escrever. Após sua leitura sentimos vontade de sentar, de frente para o mar ou alguma região verde, sobretudo, e escrever de dentro para fora.

As melhores citações encontradas por mim

“Havia uma multidão que existia pelo vazio de sua ausência absoluta” Pág. 10 conto 1

“Mas bem sabia que a desistência magnética só dava resultados positivos quando era real, e não apenas um truque como modo de conseguir”. Pág. 16 conto 1

“Estou melancólica porque estou feliz. Não é paradoxo. Depois do ato do amor não dá uma certa melancolia? A da plenitude.” Pág. 58 conto 5

“Mim é um eu que anuncio. Não sei sobre o que estou falando. Estou falando do nada. Eu sou nada. Depois de morta engrandecerei e me espalharei, e alguém dirá com amor meu nome” Pág. 70 conto 8

“Às vezes me dá enjoo de gente. Depois passa e fico toda curiosa e atenta.” Pág. 85 conto 13

“Quem terá inventado a cadeira? Alguém com amor por si mesmo. Inventou então um maior conforto para o seu corpo. Depois os séculos se seguiram e nunca mais ninguém prestou realmente atenção a uma cadeira, pois usá-la é apenas automático.” Pág. 93 conto 16

3 Motivos para ler

1. Um livro curto com menos de 100 páginas
2. Um livro barato, com uma bela arte gráfica
3. Um livro repleto de contos, de Clarice Lispector!


site: http://defrentecomoslivros.blogspot.com/2015/01/onde-estivestes-de-noite-clarice-lispector.html
LeLOUCA 03/08/2016minha estante
A primeira vez que leio Clarice Lispector... Não estou entendendo direito a escrita dela, isso é normal por ela ser completa ou tem algum problema comigo?


Clóvis Marcelo 03/08/2016minha estante
Acho que é normal sim, rs. Muitos estudiosos dizem que a leitura dos textos dela ficam mais compreensíveis com a releitura. É mais um se envolver com o texto do que uma compreensão lógica.


LeLOUCA 04/08/2016minha estante
Muito bom. Muito obrigada!




Dany 11/04/2016

Resenha: Onde Estivestes de Noite
Ah Clarice... És capaz de sempre me deixar sem palavras. Tenho sempre a sensação de que o pouco que eu falar a respeito de qualquer livro dela ainda assim será e é ínfimo. Existe uma dualidade em mim que não permite que eu transmita todas as sensações que sinto ao ler quando vou escrever sobre algum livro dela.

Onde Estiveste de Noite me conquistou pelo nome, pela beleza singela da capa, por ter contos diferenciados dos outros dois livros dela neste estilo que li.

Aqui há um toque de melancolia, que se mostra escondido. Os contos não fazem tanto sentidos, nem mesmo o que leva o nome do livro. Pelo contrário, ele se mostra confuso, sombrio e as vezes foge do que se estava falando.

Os dois primeiros contos trazem personagens mais velhas, A Procura de uma Dignidade nos apresenta a Sra. Jorge B. Xavier perdida. Ela ia para um evento e acaba errando o caminho, assim como perdeu alguma coisa em si mesma ou em casa. O fato é que nem mesmo se tratando de uma personagem já de idade, ela não mostra certezas em relação aos sentimentos e a vida também. A Partida do Trem nos apresenta duas personagem que sentam perto uma da outra, Angela Pralini e Dona Maria Rita Alvarenga Chargas Souza Melo, está última sendo a mais velha. A história de ambas e contada intercalado e mais interessante é que o conto A Procura da uma Dignidade é citado aqui, inclusive esclarece e dar uma explicação ao conto que eu não tinha percebido.

Quando pensei que já conhecia a forma de escrever de Clarice, que já estar familiarizada com o seu jeito, ela dar um jeito de me surpreender. Clarice tem esse dom, de que ao mesmo em que a gente conhece, é surpreendida por não conhecer.

Com Onde Estiveste de Noite conheci um outro lada da escritora, conheci um tom diferente de suas história e pude apreciar seus escritos com a certeza de que Clarice ainda vai me surpreender bastante com os demais livros.

site: http://recolhendopalavras.blogspot.com.br/2016/04/resenha-onde-estivestes-de-noite.html
LeLOUCA 03/08/2016minha estante
A primeira vez que leio Clarice Lispector... Não estou entendendo direito a escrita dela, isso é normal por ela ser completa ou tem algum problema comigo?


Dany 04/08/2016minha estante
Isso é normal. Quando comecei a ler ele também não entendi, e mesmo depois de ler alguns dos livro dela, na maioria das vezes continuo não entendendo por completo. Mesmo assim, aconselho a não desistir e continuar lendo. Pode ser que você não entenda o livro por completo, mas pequeno detalhes farão toda a diferença.


LeLOUCA 04/08/2016minha estante
Muito obrigada!




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Henrique Fendrich 31/07/2020minha estante
Ah, se é Clarice é preciso curtir.


Maria 31/07/2020minha estante
Ainda mais quando se trata de tão grande entusiasta da obra da autora em questão :-P


Henrique Fendrich 31/07/2020minha estante
hahaha! Ah, eu aprendi a respeitar a Clarice.




Sabrina 17/06/2023

Ela é meio incompreensível
Foi o primeiro livro que li da Clarice, confesso que achei ela bem difícil de ler e de se compreender. Mas parece que ao longo dos contos você vai entrando em termos com a autora, você passa a aceitar os devaneios e para um pouco de ficar tentando desvendar tudo que ela quer dizer. Pelo menos para mim eu fui lendo só no sentimento, sentindo o que ela escrevia e entendendo o que fazia sentido para mim. É um livro de contos e sonhos, então vale ler e ver o que ele diz para você.

Acho que ela não escreve para ser entendida mesmo.
Maria21381 22/06/2023minha estante
essa coletânea de contos é mais "abstrata" que as demais e, portanto, pode ter um primeiro impacto mais negativo. caso tu queira ter uma experiência diferente (e, na minha opinião, melhor), recomendo "Laços de Família". também é um livrinho de contos e é MUITO bom!!


Sabrina 22/06/2023minha estante
aaaaa obrigada pela indicação!! vou dar uma olhada sim, tava querendo ter contando com outros livros dela




Nádia C. 27/10/2015

Mergulho nesse mar louco da nossa alma
Admiro quem sabe resenhar Clarice, cada término de leitura é como se eu saísse de um quase afogamento, em que só sei respirar respirar respirar, não me pergunte se estou bem. Clarice abre o mar para que entremos nele e o fecha acima de nós, flutuamos dentro desse oceano por águas por vezes límpidas por vezes obscuras, cantos escondidos de nós que nem mesmos sabíamos existir, outros que precisávamos de alguém para expôr. Mas é preciso estar atento, é preciso estar aberto, é preciso não ter medo de ter medo, é preciso querer mergulhar. Acho que depois dessa leitura posso dizer que tenho ciúme de Clarice, porque não sei se são todos que se entregam assim, e ela não merece nada menos que isso. Só consigo definir o que sinto com Clarice com suas próprias palavras
ao sair de um mergulho em lispector:
"Sabe que está brilhando de água , e sal e sol. Mesmo que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso. E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano."
mika 27/10/2015minha estante
Eu também sinto esse afogamento. Ler Clarice é deveras um mergulho imprevisível. Gostei das suas palavras!


LeLOUCA 03/08/2016minha estante
A primeira vez que leio Clarice Lispector... Não estou entendendo direito a escrita dela, isso é normal por ela ser completa ou tem algum problema comigo?




raíssa. 16/03/2024

A menção honrosa desse conjunto de contos vai pra: Tempestade de almas! Grifaria o conto praticamente inteiro. Foi um fluxo de consciência que fez muito sentido pra mim. Mas outros que gostei muito: Silêncio, A partida do trem e À procura de uma dignidade.
Mariana113 16/03/2024minha estante
Acrescentarei-o à minha lista




Alane.Sthefany 05/11/2022

Onde Estivestes de Noite - Clarice Lispector
O livro compõe-se com diversos contos, na perspectiva de alguém como se estivesse sonhando na noite, literalmente contos como se fossem os sonhos da noite.

Os sonhos segundo Freud são as manifestações de nossos desejos (de forma inconsciente), e durante o sono, esses desejos são apresentados sem censura, sem leis, e na maioria das vezes, sem a razão.

Em um dos contos, a Clarice chega a afirmar que:

?Não há crime que não tenhamos cometido em pensamento?

Frequentemente a grande parte de nossos sonhos não têm sentindo, mas sempre partem de uma premissa.
São incompreensíveis, confusos, sem ordem de começo, meio e fim, e a Clarice traz isso de forma muito precisa e sucinta

Eu gostei, foi uma leitura difícil, como todos os livros da Clarice Lispector. ?

Trechos Preferidos ?????

O homem parou imediatamente de andar para olhá-la perplexo:
? Então que é que a senhora está fazendo aqui?
Ela quis explicar que sua vida era assim mesmo, mas nem sequer sabia o que queria dizer com o ?assim mesmo? nem com ?sua vida?, nada respondeu.

Foi então que lhe ocorreu que não havia com quem se permutar: que quer que ela fosse, ela era ela e não podia se transformar numa outra única. Cada um era único.

A velha fingia que lia jornal. Mas pensava: seu mundo era um suspiro.

Dona Maria Rita pensava: depois de velha começara a desaparecer para os outros, só a viam de relance. Velhice: momento supremo. Estava alheia à estratégia geral do mundo e a sua própria era parca. Perdera os objetivos de maior alcance. Ela já era o futuro.
Angela pensou: acho que se eu encontrasse a verdade, não poderia pensá-la. Seria impronunciável mentalmente.

Sou o que sou e não o que pensas que sou.

Dona Maria Rita era tão antiga que na casa da filha estavam habituados a ela como a um móvel velho. Ela não era novidade para ninguém. Mas nunca lhe passara pela cabeça que era uma solitária. Só que não tinha nada para fazer. Era um lazer forçado que em certos momentos se tornava lancinante: nada tinha a fazer no mundo. Senão viver como um gato, como um cachorro.

Não fazia nada, fazia só isso: ser velha.

Um diálogo que ela fazia consigo mesma:
? Está fazendo alguma coisa?
? Estou sim: estou sendo triste.
? Não se incomoda de ficar sozinha?
? Não, eu penso.
Às vezes não pensava. Às vezes a pessoa ficava sendo. Não precisava fazer. Ser já era um fazer. Podia-se ser devagar ou um pouco depressa.

Não sei por que, mas ninguém conversa mais comigo. E mesmo quando estou junto das pessoas, elas parecem não se lembrar de mim. Afinal não tenho culpa de ser velha. Mas não faz mal, eu me faço companhia.

Eu abandono tudo! tudo! e assim não sou abandonada, não quero depender senão de umas três pessoas e o resto é: Bom-dia, tudo bem? tudo bem.

Na vida se sofre mas se tem alguma coisa na mão: a inefável vida. Mas e a pergunta sobre a morte? Era preciso não ter medo: ir em frente, sempre.
Sempre.
Como o trem.

A velha era anônima como uma galinha, como tinha dito uma tal de Clarice falando de uma velha despudorada, apaixonada por Roberto Carlos. Essa Clarice incomodava. Fazia a velha gritar: tem! que! haver! uma! porta! de saííída! E tinha mesmo. Por exemplo, a porta de saída dessa velha era o marido que voltaria no dia seguinte, eram as pessoas conhecidas, era a sua empregada, era a prece intensa e frutífera diante do desespero. Angela se disse como se se mordesse raivosamente: tem que haver uma porta de saída. Tanto para mim como para dona Maria Rita.

E minha vida deve ser muito longa, a julgar pelos meus pais e avós. Podia alcançar fácil, fácil, cem anos, pensou confortavelmente. E morrer de repente para não ter tempo de sentir medo. Persignou-se discretamente e pediu a Deus uma boa morte.

As coisas são como são.

Assim: de repente. De repente o quê? Só de repente. Zero. Nada. Estava com trinta e sete anos e pretendia a cada instante recomeçar sua vida.

Com um longo apito uivado, chegava-se à pequena estação onde Angela Pralini saltaria. Pegou sua valise. No intervalo entre o boné do carregador e do nariz de uma jovem, lá estava a velha dormindo inflexível, a cabeça empertigada sob o chapéu de feltro, um punho fechado sobre o jornal.
Angela desceu do vagão.
Naturalmente isso não tinha a menor importância: há pessoas que são sempre levadas a se arrepender, é um traço de certas naturezas culpadas. Mas ficou-a perturbando a visão da velha quando acordasse, a imagem de seu rosto espantado diante do banco vazio de Angela. Afinal ninguém sabia se ela adormecera por confiança nela.
Confiança no mundo.

FALSA DOMESTICAÇÃO

O que é cavalo? É liberdade tão indomável que se torna inútil aprisioná-lo para que sirva ao homem: deixa-se domesticar mas com um simples movimento de safanão rebelde de cabeça ? sacudindo a crina como a uma solta cabeleira ? mostra que sua íntima natureza é sempre bravia e límpida e livre.

Se pudesse ter escolhido queria ter nascido cavalo. Mas ? quem sabe ? talvez o cavalo ele-mesmo não sinta o grande símbolo da vida livre que nós sentimos nele. Devo então concluir que o cavalo seria sobretudo para ser sentido por mim? O cavalo representa a animalidade bela e solta do ser humano? O melhor do cavalo o ente humano já tem? Então abdico de ser um cavalo e com glória passo para a minha humanidade. O cavalo me indica o que sou.

Era tão grande a minha tristeza humana por eu ter sido o que não devia ser, que jurei que nunca mais.

?O que vou anunciar é tão novo que receio ter todos os homens por inimigos, a tal ponto se enraízam no mundo os preconceitos e as doutrinas, uma vez aceitas.?
- William Harvey

?Não há crime que não tenhamos cometido em pensamento?

Queriam elogiar a vida e não queriam a dor que é necessária para se viver, para se sentir e para amar. Eles queriam sentir a imortalidade terrífica. Pois o proibido é sempre o melhor. Eles ao mesmo tempo não se incomodavam de talvez cair no enorme buraco da morte. E a vida só lhes era preciosa quando gritavam e gemiam.

A pessoa vivia sem anestesia o terror de se estar vivo.

Não há nada a temer, quando não se tem medo.

A mulher velha e desgrenhada disse para o milionário: quer ver como você não é milionário? Pois vou te dizer: você não é o dono do próximo segundo de vida, você pode morrer sem saber. A morte te humilhará. O milionário: Eu quero a verdade, a verdade pura!

Ela era um bicho acuado. Normalmente dialogava consigo mesma. Dava prós e contras e sempre quem perdia era ela. Sua vida era uma constante subtração de si mesma.

?Não sei? é uma resposta ótima.

Eis o que acontece quando alguém escolhe, por medo da noite escura, viver a superficial luz do dia.

Nós dividimos o tempo quando ele na realidade não é divisível. Ele é sempre e imutável. Mas nós precisamos dividi-lo. E para isso criou-se uma coisa monstruosa: o relógio.

O relógio de que falo é eletrônico e tem despertador. A marca é Sveglia, o que quer dizer ?acorda?. Acorda para o quê, meu Deus? Para o tempo. Para a hora. Para o instante.

Você não me quer mal mas também não me quer bem. Será que também eu estou ficando assim, sem sentimento de amor? Sou uma coisa? Sei que estou com pouca capacidade de amar. Minha capacidade de amar foi pisada demais, meu Deus. Só me resta um fio de desejo. Eu preciso que este se fortifique.

A dona do relógio me disse hoje que ele é que é dono dela.

Se no começo o silêncio parece aguardar uma resposta ? como ardemos por ser chamados a responder ? cedo se descobre que de ti ele nada exige, talvez apenas o teu silêncio.

Quantas horas se perdem na escuridão supondo que o silêncio te julga

Que se espere o resto da escuridão diante do silêncio (...) Que se espere. Um insolúvel pelo outro. Um ao lado do outro, duas coisas que não se veem na escuridão. Que se espere. Não o fim do silêncio mas o auxílio bendito de um terceiro elemento, a luz da aurora.

Uma amizade sincera queria a sinceridade mais pura. À procura desta, eu começava a me sentir vazio.

Tínhamos apenas essa coisa que havíamos procurado sedentos até então e enfim encontrado: uma amizade sincera.

Nossa amizade era tão insolúvel como a soma de dois números: inútil querer desenvolver para mais de um momento a certeza de que dois e três são cinco.

A solidão de um ao lado do outro, ouvindo música ou lendo, era muito maior do que quando estávamos sozinhos. E, mais que maior, incômoda. Não havia paz. Indo depois cada um para seu quarto, com alívio nem nos olhávamos.

Foi, aliás, nesse período que, com algum sacrifício, dei um pequeno broche de ouro àquela que é hoje minha mulher.
Só muito depois eu ia compreender que estar também é dar.

A morte é de grande escuridão. Ou talvez não, não sei como é, ainda não morri, e depois de morrer nem saberei, quem sabe se não tão escura. A morte, quero dizer.

Pois a hora escura, talvez a mais escura, em pleno dia, precedeu essa coisa que não quero sequer tentar definir. Em pleno dia era noite, e essa coisa que não quero ainda definir é uma luz tranquila dentro de mim, e a ela chamariam de alegria, alegria mansa. Estou um pouco desnorteada como se um coração me tivesse sido tirado, e em lugar dele estivesse agora a súbita ausência, uma ausência quase palpável do que era antes um órgão banhado da escuridão da dor.

Estou agora procurando na chuva uma alegria tão grande que se torne aguda, e que me ponha em contato com uma agudez que se pareça a agudez da dor. Mas é inútil a procura. Estou à janela e só acontece isto: vejo com olhos benéficos a chuva, e a chuva me vê de acordo comigo. Estamos ocupadas ambas em fluir. Quanto durará esse meu estado? Percebo que, com esta pergunta, estou apalpando meu pulso para sentir onde estará o latejar dolorido de antes. E vejo que não há o latejar da dor.
Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque está precisando de mim, e eu olho a chuva não porque preciso dela. Mas nós estamos tão juntas como a água da chuva está ligada à chuva.

A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora da manhã, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Ela está sozinha. O mar salgado não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização. Nessa hora ela se conhece menos ainda do que conhece o mar. Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto, prosseguir.

A loucura é vizinha da mais cruel sensatez.

Diga-me por favor que horas são para eu saber que estou vivendo nesta hora.

Vou-lhes contar um segredo: a vida é mortal. Nós mantemos esse segredo em mutismo cada um diante de si mesmo porque convém, senão seria tornar cada instante mortal.

Tenho que falar pois falar salva. Mas não tenho uma só palavra a dizer.
As palavras já ditas me amordaçaram a boca.

Vejo as flores na jarra: são flores do campo, nascidas sem se plantar, são lindas e amarelas. Mas minha cozinheira disse: mas que flores feias. Só porque é difícil compreender e amar o que é espontâneo e franciscano. Entender o difícil não é vantagem, mas amar o que é fácil de se amar é uma grande subida na escala humana. Quantas mentiras sou obrigada a dar. Mas comigo mesma é que eu queria não ser obrigada a mentir. Senão o que me resta? A verdade é o resíduo final de todas as coisas, e no meu inconsciente está a verdade que é a mesma do mundo.

Quem terá inventado a cadeira? Alguém com amor por si mesmo. Inventou então um maior conforto para o seu corpo. Depois os séculos se seguiram e nunca mais ninguém prestou realmente atenção a uma cadeira, pois usá-la é apenas automático. É preciso ter coragem para fazer um brainstorm: nunca se sabe o que pode vir a nos assustar.

Bem sei que terei de parar, não por causa de falta de palavras, mas porque essas coisas, e sobretudo as que eu só pensei e não escrevi, não se usam publicar em jornais.
J. Silva 06/11/2022minha estante
??????




EURAC 12/01/2016

EM UM RELACIONAMENTO ABERTO COM - Onde estivestes de noite
Ontem de noite lembrei de Clarice.
No vazio solitário de minha biblioteca, ela entrou deslizando sobre o seu peso de esfinge. Sentou-se na poltrona defronte à minha, descansada de tanto voar presa ao chão. Foi silêncio que demorou a eternidade de um instante. Era calmaria de árvore ao vento que se avessava no dito sem vocábulo. Potência capaz de devastar o mundo. Ela me encarou com aqueles olhos brancos e fulminantes de fera que sabe ter em si o brado de um deus. Ontem à noite me lembrei de Clarice, porque estive com Clarice. (...)
*leia a resenha completa no site do EURAC.com.br
um lugar para amantes da literatura! ;)

site: www.eurac.com.br
LeLOUCA 03/08/2016minha estante
A primeira vez que leio Clarice Lispector... Não estou entendendo direito a escrita dela, isso é normal por ela ser completa ou tem algum problema comigo?




va 19/04/2020

Um pouco da obra da Clarice
?Onde estivestes de noite? é uma reunião de contos de Clarice, que trazem em seu conteúdo, principalmente, viagens pela mente dessa mulher. Em especial, o conto que dá nome à obra fala dos devaneios que nossa cabeça percorre pela noite e que nem sempre lembramos no outro dia. Além desse, os meus favoritos foram ?Esvaziamento?, ?Tempestade de almas?, ?As águas do mar? e ?Tanta mansidão?.
Leticia.Boiago 13/09/2022minha estante
em relação a tanta mansidão como vc o interpretou ?




Li 25/05/2011

O relatório da coisa
Então é assim: você começa com avidez. A história de uma velha perdida nos subterrâneos do Maracanã parece sua própria confusão nos labirintos de si mesmo; te dá uma percepção aterradora sobre a vida. Depois uma velha e uma moça: uma levada como bagagem no trem, a outra de um intervalo de vida à outro.
A partir do terceiro conto você já tem um estranhamento interessante. Como se as histórias anteriores fossem propositalmente preparatórias - não menores, de forma alguma. A abordagem muda drasticamente; algo já alertado pelo apresentador da obra: certamente destroços de outros livros.
Eu particularmente gosto muito de reuniões de contos e textos avulsos como este livro, sem um conceito geral, uma proposta maior. A coisa flui de forma mais livre e isso é bem interessante.
O conto que dá nome ao livro, acredite, é muito esquisito e atraente. Leia duas vezes. Depois de "Sveglia" - o relatório esquisitíssimo de uma coisa esquisitíssima - os contos encurtam e o livro termina rápido: é que em Sveglia a história desce raspando, pára na garganta e fica meio travada.
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Mateus 08/04/2013

Ou toca ou não toca
Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja.

Clarice é a lareira que com seu fogo, consome o homem. "Onde Estivestes de Noite" é um livro de contos, cheio daquilo que ela sabe melhor fazer: desvendar a alma humana. A compreensão de seus textos é difícil na medida que o leitor não reside na "mesma página" que a autora, se quem lê Clarice não sente nada, uma pena (sinto informar), mas considero melhor interromper sua leitura, porque, ao meu ver, a autora não deseja um contado superficial com quem lê, sua escrita deve transcender o simples entendimento do leitor: é ler e sentir. É necessário um entrega às sensações que Clarice provoca através de suas palavras. "Onde Estivestes de Noite", como também suas outras obras, podem ser resumidas em uma fala da autora, dada em uma entrevista em que ela disse: "Suponho que me entender não seja uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato; ou toca ou não toca". E este livro é mais um exemplo da escritora de quem sente, sente e quem não sente, nunca irá sentir.
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