PorEssasPáginas 11/03/2015
A Cuca Recomenda: Especial Natalino - Por Essas Páginas
A primeira vez que li (e comentei) a autora Clara Madrigano foi no Contos do Dragão #1, no qual fiz resenhas de três contos da Editora Draco publicados em e-book. Depois disso, a autora gentilmente nos cedeu o e-book de Especial Natalino para leitura e resenha. E, dessa vez, a resenha será só dela, afinal, Especial Natalino não é apenas um conto, mas sim uma novela… e de terror.
É impossível começar essa resenha sem observar o quanto é tremendamente bizarro ler uma obra brasileira que se passa em uma cidadezinha no meio dos Estados Unidos. Nomes (Cheryl, Brooke, Justin…), costumes e lugares, portanto, são todos de lá nesse texto. Até que a autora fez um bom trabalho remetendo ao, por se assim dizer, “clima americano”, e o texto tinha todo aquele ar blockbuster americano de terror (e isso está longe de ser uma crítica, afinal, eu gosto muito de assistir esse tipo de filme), escorregando poucas vezes em costumes brasileiros insinuados numa frase aqui e ali, mas… foi meio difícil me concentrar na história, especialmente no começo, por causa disso.
Entendam meu dilema: quando eu leio algo brasileiro, eu espero uma identificação. E não digo isso no nível humano, que acontece em qualquer obra, mas sim no nível cultural. Uma das coisas mais legais em ler obras nacionais é que provavelmente você vai se identificar com os costumes, o jeito de viver daqueles personagens, os lugares, o jeito de falar. Então é no mínimo decepcionante pegar uma obra brasileira pra ler e me deparar… com os Estados Unidos.
Podem me chamar de purista. Eu sou. Não é à toa que sou a Cuca.
Mas, certo, engoli esse estranhamento e guardei-o no meu coraçãozinho verde e amarelo e tomei a história simplesmente por uma história, não importa se a autora é brasileira, americana ou japonesa (mas, novamente, se você lê um mangá japonês, você espera o quê? Vou deixá-los completar o pensamento, ele explica o meu purismo).
“Aprendera dirigir quando estava com seus quinze anos, a idade em que a maioria dos jovens haveria implorado pela chance, e só o fizera porque o pai o obrigara.”
E, ignorando esse fato, a novela de Clara Madrigano é realmente ótima. Uma tensão gradual e crescente, que se infiltra pelos cantos e, quando você menos espera, BUM, as coisas explodem loucamente à sua volta. O texto é bem escrito, com personagens bem desenvolvidos, e você realmente se envolve com eles – não necessariamente gosta deles, mas se envolve com sua história. Não cheguei a torcer por eles, talvez apenas no final, mas gostei do que vi.
Justin, Cheryl e Brooke são três irmãos que, devido ao Natal, reencontram-se na casa da mãe para passar a data, na pequena cidade de Amberline. Fica clara a tensão no ar e os assuntos mal-resolvidos entre a família, que todos tentam esconder e engolir devido à data. Mas, de todos os lugares no mundo, foi logo Amberline a cidade escolhida para o surgimento de um mal grotesco e horrível. O Natal definitivamente não será o tédio de sempre.
Não vou revelar o grande segredo da história, seria spoiler, e vou respeitar que a autora não quis revelar isso na sinopse (e na história, demora um bom tempinho para que revele, apesar de que leitores acostumados com o gênero vão notar um pouco antes a ideia). É um tema um pouco batido, mas que gosto muito e, apesar de não ter sido desenvolvido com originalidade (novamente, os filmes americanos…), foi desenvolvido com emoção, e isso me bastou. O horror da história puxa mais para o gore, que não é minha vertente favorita do terror – sou mais para o psicológico -, mas não foi desnecessariamente sangrento, e sim no ponto certo para transmitir a ideia e atingir o leitor sem chocar apenas por chocar.
“Ela estragara tudo. Ela fora a favorita do pai, mas então deixara de ser no minuto em que aceitara aquele feto crescendo nela; deixara de ser favorita para tornar-se apenas mulher, cometendo erros burros de uma mulher.”
Gostei e muito do tom irônico e crítico da novela, do tom feminista e ácido, dos questionamentos familiares profundos, do jeito que o texto transmitiu mensagens importantes. O texto, aliás, flui muito bem; é possível ler o conto em uma sentada, mas ainda assim não sair com o sentimento de que tudo aconteceu “rápido demais”, é tudo muito bem dosado. Inicialmente, pensei em dar 3 estrelas, mas depois percebi que seria injusta, uma análise passional baseada fortemente no meu sentimento de descontentamento por ser uma história brasileira que não se passa no Brasil. Então, pela ótima trama, pelos personagens e pela escrita, dei 4 estrelinhas. Vale a pena para quem curte terror, mas não espere identificação total…
Fica a pergunta: por que, afinal, é tão difícil terror no Brasil? Somos coloridos demais?
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