Paula Juliana 22/06/2015
Resenha: Deserto de ossos - Chris Bohjalian
'' - Como um milhão e meio de pessoas morrem sem que ninguém saiba?''
Alguns livros nos levam para belos lugares, e a lindas e românticas histórias de amor, alguns nos levam para lugares sombrios, onde o grande mau veja maior que um simples vilão, nos levam a histórias e a tempos que nunca conseguiríamos ir sozinhos, lugares que em sã consciência nunca iriamos! Como leitora, tenho uma fascinação por livros que falam sobre guerras, sobre opressões, obras que me tiram da minha zona de conforto, do meu mundinho feliz, é dolorido ler sobre alguns fatos, algumas realidades que abrangem essa atmosfera mais negra, Deserto de ossos do autor Chris Bohjalian é assim, ele fala sobre guerra, morte, sobre horrores, tendo como pano de fundo o massacre de um milhão e meio de civis mortos, de Armênios mortos, o genocídio de 1915. A grande catástrofe!
'' Mais uma vez ela não estava preparada para tamanha beleza em meia a tanta dor.''
O grande cenário histórico é a Primeira Guerra Mundial, 1915, no deserto sírio, onde um milhão e meio de Armênios foram assassinados pelos Turcos, é engraçado como a gente conhece muito sobre a Segunda Guerra Mundial, e acaba deixando a Primeira meio de lado, já li muitos livros com o cenários da Segunda Guerra, o mesmo quanto a filmes, toda parte do Nazismo, e superioridade Alemã e tudo o mais, e nunca tinha percebido como eu tinha visto poucas coisas sobre a Primeira Guerra, então lendo essa obra, eu tive uma bela noção histórica daquela época, o livro foca bastante no lado sombrio e sanguinário do que estava acontecendo em Alepo e Der-el-Zor, foca muito no preconceito religioso, racial, social, os Turcos no caso queriam acabar com todos os Armênios, queriam acabar com a raça por assim dizer, foi uma época muito feia, muito desumana.
Em Deserto de Ossos Laura conta a história de seus avôs, um século depois perto do centenário do genocídio, a neta do casal Elizabeth e Armen, que é escritora, vai descobrindo e fica obcecada pelas coisas que vai achando do passado de seus avôs e escreve um livro contando essa tremenda história.
Laura narra alguns trechos em primeira pessoa, conta sobre sua infância, sua família, sua história, e como chegou ao ponto de escrever sobre seus avôs, mas quando a história volta para o passado é intercalado com um narrador observador relatando tudo sobre Elizabeth e Armen.
''Meu marido não conhecia os detalhes da história deles até então; eu também não. Uma vez que descobrimos a verdade, anos mais tarde, ele mudaria de ideia sobre se eu tinha autoridade moral para explorar o horror particular de meus avós. Porém, eu já estava obcecada pela história e ninguém podia me parar.''
Elizabeth é americana, se voluntariou para uma missão humanitária, chegando a Alepo começa a ver os horrores da guerra e a ajudar da melhor maneria que consegue, distribuindo alimentos junto de seu pai, ajudando como enfermeira doentes, auxiliando principalmente mulheres e crianças, e é lá que ela conhece Armen, uma Armênio de grandes olhos que é um jovem engenheiro, acabou de perder sua esposa e filha durante a deportação em massa e está em uma missão de vingança.
''Ela conta para ele que sente enjoo no mar. Que prefere gatos. Que gosta de Dickens. Ela fala e fala, pois sempre que fica em silêncio se pega olhando para ele e isso a faz perder um pouco o fôlego.''
Mesmo no meio da feiura da guerra os dois acabam se apaixonando, mas antes de entrarem realmente em uma relação são separados e cada um tem que lidar com os horrores que aparecem no seus caminhos.
''- Vocês armênios têm olhos bem grandes - Helmut diz, quase ignorando o retorno de seu colega de quarto. - Especialmente algumas das garotas. Olhos redondos enormes. Você deve saber disso. Eles parecem absorver tudo, de bom e de mau. E seus olhos não são exceção.''
A parte física da obra é linda, a capa, o capricho das folhas, letra, realmente impecável.
O enredo me comoveu, gostei muito da parte histórica mesmo, é um livro que foi bem pesquisado, bem enriquecedor, gostei dos personagens, e o desenvolvimento que tiveram ao longo da leitura tantos os protagonistas, como Laura também que acaba contando sua própria história, e com partes da sua infância e família, deixando tudo mais leve, os personagens secundários eram ótimos, alguns tão bons que realmente roubavam a cena, a doce menina Hatoun e sua cabeça de boneca Alice, a forte enfermeira Nevart, o ''príncipe'' Ryan...
O autor tem uma escrita deliciosa, achei que ia ser extremamente sofrido ler sobre o genocídio e claro que foi um pouco, mas não tão quanto eu esperava, a história é sutil, não tem descrições horrendas, mais sim fatos, ele coloca tudo que tem que colocar no enredo, não apela em momento algum e eu gostei muito disso.
O romance é presente, mas não senti sendo o grande foco, temos toda uma história envolvendo aquele casal, mas não é aquele apelo romântico, ou sexy que encontramos em alguns romances históricos, é muito mais focado em uma grande história, e em intercalar várias vidas, destinos e situações!
O mais marcante de tudo para mim foi o sofrimento das mulheres e crianças Armênias, o que faziam com elas e também a visão dos ''Deuses'' naquilo tudo, tem uma cena que acontece uma coisa horrível, e então tem duas pessoas de crenças diferentes, e no diálogo, um deles cita, isso é com o ''meu Deus ou com o seu'', isso foi bem marcante no enredo, fora outras coisitas que não posso falar aqui!
''...estou com medo agora, porque comecei, novamente, a sonhar com um futuro.''
Gostei muito da leitura, gostei de conhecer Chris Bohjalian, é uma obra madura, bem desenvolvida, faltou um tiquinho de romance romântico para mim, mas essa não era a proposta da obra afinal, Deserto de ossos cumpriu muito bem seu papel, é um livro forte, uma história marcante e com personagens muito bons, que fala de fatos terríveis de uma maneira clara, sem apelar, sem ser grotesco, de uma forma chamativa, chocante, contando a vida, o amor desse casal, seus segredos, a história de gerações de uma família.
Preconceitos, fé, a realidade de um Deserto de ossos!
''De qualquer modo, a resposta curta para aquela primeira pergunta - Como um milhão e meio de pessoas morrem sem que ninguém saiba? - é realmente simples. Você as mata no meio do nada.''
Paula Juliana
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