Apocalipse Motorizado

Apocalipse Motorizado Ned Ludd (org.)




Resenhas - Apocalipse Motorizado - A Tirania do Automóvel em um Planeta Poluído


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Igor 18/02/2021

Vá de bike!
O livro mostra os imensos prejuízos da sociedade carrocrata e vai além do óbvio, com diversas perspectivas, inclusive mostrando ligações do movimento anti carro com o anticapitalismo.
Uma parte que achei maravilhosa foram os apêndices que apresentam ideias e maneiras de implementar a luta por cidades para pessoas, com menos carros e mais bicicletas e pedestres.
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ademar111190 21/09/2014

as pessoas deveriam ler isso, especialmente aquelas que gostam de carros.
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jg 17/06/2012

O organizador do livro Ned Ludd (sim, é um pseudônimo - e bem escolhido), Ivan Illich e André Gorz fazem a abertura, elencando com clareza os problemas relacionados à sociedade do automóvel - as mortes nos "acidentes", a poluição ambiental, os problemas à saúde, o roubo do espaço comum, a opressão e o fim das cidades enquanto local de encontro e convívio. Ricamente recheado com dados, o livro Apocalipse motorizado - a tirania do automóvel em um planeta poluído, uma coletânea de textos, destrói o mito do carro, figura central na sociedade atual, estrela do crescimento econômico de nações desenvolvidas ou periféricas.

A opção pela bicicleta, mais eficiente; as ações antiestradas; uma cidade voltada às pessoas; o surgimento das bicicletadas pelo mundo. Os demais textos chamam à ação e sugerem alternativas para a transformação. Das mais simples às violentas (nada comparado à violência do próprio carro, uma das maiores causa mortis em todo o mundo), passando pelas artísticas e criativas.

Em 154 páginas, você pode passar por todos os dados sobre os efeitos do carro na sociedade, com uma análise lúcida mas radical, além de conhecer as ações e movimentos que já existem pelo mundo e passar por uma vasta lista de sugestões de ação - porque você certamente vai querer fazer alguma coisa.
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luisfranope 18/01/2012

Resumo do livro APOCALIPSE MOTORIZADO
- Porque pesquisas são voltadas cada vez mais para transportes nocivos e não condições ótimas de circulação?
- A relação entre pessoas medidas por coisas.
- A relação da sociedade brasileira com carros é doentia.
-“Quanto maior a velocidade dos automóveis, menos saímos do lugar. As estradas nos levam a lugar nenhum” Ivan Illich
- A questão não é procurar novas fontes de energia, é mudar o consumo.
- Há algum tempo o carro tem, cada vez mais, deixado de ser um meio de transporte passando a ser uma identidade.
- “O transporte urbano tem a ver não somente com a locomoção das pessoas e dos bens para dentro, para fora e através da cidade, mas também com a organização espacial de todas as atividades humanas dentro dela” John W. Dyckman. Transportation in Cities. Scientific American, setembro, 1965.
- Porque as pessoas são forçadas a organizar suas vidas em torno da posse de um carro?
- O sistema de trafego aumenta as distancias através das quais os bens e as pessoas devem ser transportadas, e depois, engenhosamente, oferece uma solução a esse problema: o caminhão e o carro. Cria ruas inseguras, vazias e sem seguida oferece o carro como uma forma de conseguir segurança.
- Circulação: deslocamento de pessoas. Transito: movimentos feitos com a energia muscular das pessoas. Transporte: movimentos que recorrem a motores mecânicos para transladar pessoas e bagagens.
- Na Índia a vaca é sagrada e os motoristas tem que dar passagem. Em nenhum lugar do mundo o ser humano é similarmente sagrado. Será que as pessoas comprariam carros caríssimos se tivessem que parar sempre para os pedestres?
- Ao fazer um caminho num engarrafamento a velocidade mais lenta que se estivesse andando a pé, você tem a vã promessa de alcançar a velocidade perigosa, prometida no anuncio. Se isto for verdade, você foi feito de bobo. Venderam a você a liberdade de ir a qualquer lugar que quiser desde que este lugar possua estacionamento.
- Aceitação da Fórmula 1 no Brasil: existe exemplo pior para um país que é líder em acidentes de automóvel? Especialista em estatísticas afirmam que acidentes de transito aumentaram depois da vitoria de Fittipaldi na F1 e que mulheres se envolvem menos em acidente porque não assistem F1 e/ou porque propagandas de carros não são feitas para elas.
- Pais se mostram histéricos ante a idéia de que o filho adolescente tem acesso à maconha ou um vídeo-game violento e vêem com orgulho que o mesmo adolescente “já sabe dirigir” aos 14 ou 15 anos. Carros não são tão perigosos quanto um baseado?
- Quanto mais pessoas tem carro, ou melhor, quanto mais dinheiro é gasto por motoristas, mais lugares se tornam fora do alcance das pessoas que não possuem carros. Ironicamente a maquina que é vendida por sua capacidade de dar liberdade de movimento e por sua capacidade de cobrir distancias cria tanta distancia quanto atravessa.
O carro esta substituindo coisas que você quer fazer por coisas que você tem que fazer, ao mesmo tempo que as deixa cada vez mais afastadas uma das outras. Pense: isto empobrece cada vez mais sua vida, uma vez que tem, cada vez mais, que passar horas no volante.
Resumindo: você não consegue obter satisfação de todo o espaço que esta sendo convertido para seu uso. Você não usa realmente o espaço que cruza, você tenta minimizá-lo passando cada vez mais depressa. Você nunca se encontra realmente nele, apenas o vê passar como um programa chato de televisão projetado em seu pára-brisa. Quanto mais espaço há para você, mais infeliz você fica porque mais obstáculos existirão em seu curso (outros carros).
- A viagem, seja a do álcool, a do LSD, a da maconha ou a não metafórica do Carro, é sempre a busca de algo, ou a fuga de algo que incomoda ou se torna entediante. Nessa busca ou nessa fuga, muitas vezes experimentam-se, naturalmente, várias drogas, inclu¬sive simultaneamente. Numa sociedade em que, não importa onde se esteja, a festa está sempre em outro lugar, a viagem se alimenta de um impulso compreensível e “natural”, embora possa ganhar os contornos neuróticos e autodestrutivos que conhecemos, devido a toda uma gama de impedimentos e castrações a que os indivíduos estão submetidos diariamente nas sociedades hierárquicas.
Os capitalistas defendem que o carro é produzido para outros fins e que nunca houve intenção de que ele servisse como droga. Na atual sociedade a “festa” sempre esta em outro lugar e o sistema ou técnica de transporte servira necessariamente como droga. Todas as drogas – no uso mais ordinário da palavra ou no uso mais ordinário delas próprias – não são mais do que sistemas ou técnicas de transporte.
Quando se fala em carro, se fala de velocidade e conseqüentemente tempo e espaço. O carro desliga o individuo trazendo uma mudança espacial. Sendo assim, o carro é um ser que propicia um mundo de novas sensações e experiências prazeirosas. As drogas compartilham esse fim, embora sem deslocar espacialmente o individuo (retiram-no do lugar concedendo-lhe uma outra experiência sensitiva). O carro, colocando o viajante no volante, traz consigo a ilusão de liberdade. Cada vez mais o carro se torna semelhante às drogas ordinárias. A ilusão de liberdade é a técnica de submissão dos indivíduos a ordem com as coisas e ao governo sobre eles no capitalismo da sociedade de consumo.
- Antigos meios de transporte como: cavalo, charrete, bicicleta... dava aos usuários o relacionamento de “possuidor” e “dono”. Já os carros, dependem de gasolina, mecânico, especialistas, taxas de seguro e IPVA... o relacionamento é de “usuário” e “consumidor”, pois obriga a consumir e utilizar uma gama de serviços comerciais e produtos industriais que somente podem ser fornecidos por terceiros. A autonomia aparente do proprietário do carro esconde sua radical dependência.
- Carro não é simplesmente um meio de locomoção nem sua invenção foi um passo gigantesco no caminho do progresso como os publicitários querem nos fazer crer. Carro é um instrumento de poder e destruição. Pegue uma pessoa comum, reservada, pacifica e habitualmente calma. Meta-lhe em suas mãos um volante e nos pés um acelerador. Lance-a em um engarrafamento, por exemplo, numa rua movimentada, às 18h. Você não a reconhece mais? Acrescente-lhe um celular e terá multiplicado seu poder de matar.
- O Carro é também o falo onde se masturba autonomia, inde¬pendência, onde se goza ilusoriamente aquilo que se faz ausente, de forma autêntica na vida cotidiana. O volante permite isso. O motor a combustão, o acelerador... eles por sua vez permitem a ilusão de a potência orgânica do indivíduo se multiplicar por mil. Sendo ele constantemente reduzido, limitado, humilhado, dimi-nuído, constrangido pelas relações de poder, pelas hierarquias e autoridades instituídas (pai, professor, patrão, polícia, juiz, coronel, deputado etc.) e pelas técnicas, sejam urbanísticas, arquitetônicas ou quaisquer outras que expressem os valores de uma sociedade coisificante, é o motor a combustão e o acelerador – quando não o cano e o gatilho do revólver – que, sob um impulso neurótico, são postos em funcionamento para uma auto-afirmação na ten¬tativa de se sentir o que de fato não se é na sociedade burguesa e hierárquica: um ser humano e não uma coisa. Para se ir do anão ao super-homem, o que está disponível é o motor a com¬bustão e o acelerador, não a revolução social, que põe fim aos constrangimentos, autoridades e hierarquias coisificantes.
É no prolongamento da potência da máquina que se encontra, em nossa sociedade, a potência humana perdida. É nele que se livra daquele ser coisificado, castrado, diminuído, constrangido a todo instante. Em última análise, trata-se da busca do orgasmo perdido. (Não nos enganemos, os publicitários sabem o que fazem.) Mas, no fim, o motor a combustão, o acelerador e a pista não passam de in¬termediários entre a impotência ao prazer e o prazer impotente.
- “Acidente de carro ou de transito (ausência de vontade de matar ou ferir quando alguém se posta atrás do volante de um carro) = “Acidentes de fluxo econômico”, “Acidentes de lucro”, “Acidentes de nutrição”... no sentido de expressarmos miséria material, mortes conseqüentes do sistema econômico capitalista e subnutrição.
- A burguesia concede que os meios de transporte (carros) alimentam a ilusão de poder fugir do mal-estar e da miséria da sociedade de consumo capitalista sem a transformação das condições de existência do local onde se vive o presente, onde o futuro toma o lugar de um presente impossível de se viver.
- Com bons motivos o carro pode ser visto como marco de uma modernidade cada vez mais depressiva, a ponto de a depressão deixar seu lugar cativo de problema da vida para se tornar também um problema da sobrevivência. Seja como for, se se escapa da morte por depressão na sociedade do automóvel, é relativamente alta a probabilidade de que se venha a morrer atropelado por ele, contaminado por ele ou dentro dele. Talvez o automóvel tenha a nos dizer que, hoje, os problemas da vida são também problemas da sobrevivência.
- Para transportar uma pessoa em um Wolksvagem por uma distancia de 500km são queimados 175kg de oxigênio que o mesmo individuo respira em 1 ano. As plantas e as algas produzem oxigênio suficiente para os 7 bilhões de seres humanos que existem. Mas não podem reproduzi-lo para um mundo automobilizado, cujos veículos queimam, cada um, pelo ou menos 14 vezes mais oxigênio que queima um individuo.
- Ir de carro: reduz a igualdade entre as pessoas; limita a mobilidade pessoal; aumenta a escassez de tempo na sociedade; se priva, no caminho, de paradas, acessos, encontros...; cria uma ilha de privilégios ao preço de uma escravidão geral. A maioria tem que se deslocar cada vez mais rapidamente pelos mesmos trajetos monótonos e devem destinar cada vez mais tempo a esses deslocamentos (caos no transito).
- SOBRE OS GRAUS DE “MOVER-SE”
O ser humano se move com eficácia sem ajuda de nenhum imple¬mento. Caminhando, cria sua rota. A locomoção de cada grama de seu corpo ou de sua carga, sobre cada quilômetro percorrido em dez minutos, lhe consome 0,75 caloria. Comparando-o a uma máquina termodinâmica, o ser humano é mais rentável que qualquer veículo motorizado, que consome pelo menos quatro vezes mais calorias no mesmo trajeto. Além disso, é mais eficiente que todos os animais de peso parecido. O tubarão e o cachorro ganham dele, mas só por pouca coisa. Com esse índice de eficiência de menos de uma caloria por grama, historicamente organizou seu sistema de circulação, preponderantemente baseado no trânsito. Explorou o mundo, criou culturas, sustentou relações comerciais e, até o ponto em que podemos saber, não gastou mais de 3,5% do tempo social para mover-se fora do seu lar ou do seu acampamento. Só alguns povos, em raros momentos da sua história, provavelmente dedicaram mais do que essa porcentagem de tempo comum para mover-se ou ocupar-se com seus veículos e motores animais, como por exemplo, os mongóis em suas guerras.
Faz um século que o ser humano inventou uma máquina que o dotou de eficiência ainda maior: a bicicleta. Tratava-se de uma novidade, inventada à base de materiais novos, impensados nos tempos do jovem Marx e combinados em uma tecnologia enge¬nhosa.
O uso da bicicleta tornou possível que o movimento do corpo humano ultrapassasse uma última barreira. Ela lhe permite aprovei¬tar a energia metabólica disponível e acelerar a locomoção até seu limite teórico. Em terreno plano, o ciclista é três ou quatro vezes mais veloz que o pedestre, gastando ao todo cinco vezes menos calorias por quilômetro que este. O deslocamento de um grama de seu corpo sobre essa distância não lhe consome mais do que 0,15 caloria. Com a bicicleta, o ser humano ultrapassa o rendimento possível de qualquer máquina e de qualquer animal evoluído.
Além disso, a bicicleta não ocupa muito espaço. Para que 40 mil pessoas possam cruzar uma ponte em uma hora movendo-se a 25 km/h, é preciso que ela tenha 138 metros de largura se as pessoas viajam de carro, 38 metros se viajam de ônibus e 20 metros se viajam a pé. Por outro lado, se vão de bicicleta, a ponte necessita ter apenas 10 metros de largura. Somente um sistema hipermoderno de trens rápidos, a 100 km/h e com saídas a cada 30 segundos, poderia passar essa quantidade de gente por uma ponte semelhante em igual tempo.
Há uma diferença enorme entre o espaço que ocupa o veículo potencialmente rápido e a bicicleta não apenas ao se moverem, mas também estacionados. Onde se estaciona um carro cabem 18 bicicletas. Para sair do estacionamento de um estádio, 10 mil pessoas em bicicletas necessitam da terça parte do tempo que necessita o mesmo número que pega ônibus.
Dotado de bicicleta, o ser humano pode cobrir uma distância anual superior, dedicando a ela, ao todo, menos tempo e exigindo menos espaço para percorrê-la e muito pouco investimento de energia física que não seja parte do seu próprio ciclo vital.
Além disso, as bicicletas custam pouco. Com uma fração das horas de trabalho necessárias ao gringo para comprar seu carro, o chinês, ganhando um salário muito menor, compra sua bicicleta, que dura toda a vida, ao passo que o carro, quanto mais barato, mais rapidamente será necessário trocá-lo. O mesmo se pode dizer a respeito das estradas. Para que um maior número de cidadãos possa chegar às suas casas de carro, mais o território nacional é corroído. Inevitavelmente o carro está ligado à estrada, diferen¬temente da bicicleta. Onde não pode ir montado nela, o ciclista a empurra. O raio diário de trajetos aumenta para todos igualmente, sem que por isso diminua para o ciclista a intensidade do acesso. O ser humano com bicicleta se converte em dono dos seus próprios movimentos, sem estorvar o vizinho. Se existe alguém que ache que em matéria de circulação é possível conseguir algo melhor, essa é a hora de provar.
A bicicleta é uma invenção da mesma geração que criou o veículo a motor, porém as duas invenções são símbolos de avan-ços feitos em direções opostas pelo homem moderno. A bicicleta permite a cada um controlar o gasto da sua própria energia. O veículo a motor inevitavelmente torna os usuários rivais entre si pela energia, pelo espaço e pelo tempo. No Vietnã, um exército hiperindustrializado não pôde derrotar um povo que se desloca à velocidade da bicicleta. Isso deveria nos fazer refletir: talvez a segunda forma de emprego da técnica seja superior à primeira. Naturalmente, resta ver se os vietnamitas do Norte estão dispostos a permanecer dentro desse limite de velocidade, que é o único capaz de respeitar os próprios valores que tornaram sua vitória possível. Até este momento, os bombardeiros americanos os privaram
- O americano típico consagra mais de 1.600 horas por ano (que são 30 horas por semana, ou 4 horas por dia, incluindo domingos) ao seu automóvel: esse cálculo inclui o tempo gasto atrás do volante, andando e parado, as horas de trabalho necessárias para pagá-lo e para pagar pelo combustível, pneus, pedágios, seguro, multas e impostos, sentado dentro dele, andando ou parado, traba¬lhando para pagá-lo e para pagar a gasolina, os pneus, os pedá¬gios, o seguro, as multas e os impostos para as estradas federais e para os estacionamentos públicos. Consagra a ele quatro horas por dia, nas quais se serve dele, se ocupa dele ou trabalha para ele. Aqui não se levaram em conta todas as atividades orientadas pelo transporte: o tempo que consome no hospital, no tribunal e na oficina mecânica, o tempo passado diante da televisão vendo propaganda de automóveis, o tempo investido em ganhar dinheiro para viajar de avião ou de trem. Sem dúvida, com essas atividades ele movimenta a economia, arruma trabalho para seus colegas, rendimentos para os xeiques da Arábia e justificativa a Nixon para sua guerra na Ásia.
Mas se nos perguntarmos de que modo essas 1.600 horas, que são uma estimativa mínima, contribuem para sua circulação, a situação fica diferente. Essas 1.600 horas lhe servem para fazer 10.000 km de caminho, ou seja, 6 km em uma hora. É exatamente o mesmo que alcançam as pessoas nos países que não possuem indústria de transporte. Porém, enquan¬to o norte-americano destina à circulação 25% do tempo social disponível, nas sociedades não motorizadas são destinados a esse fim de 3 a 8% do tempo social. O que diferencia a circulação em um país rico e em um país pobre não é uma maior eficácia, e sim a obrigação de consumir em doses altas as energias condicionadas pela indústria de transporte.
Esse americano precisa de 1.500 horas para andar (ao ano) 10.000 km. Seis quilômetros por hora. Nos países desprovidos de uma indústria de transporte, as pessoas viajam exatamente nessa velocidade a pé, com a vantagem de poder ir aonde quiserem e de não estar restritas às estradas de asfalto”. É verdade, Illich aponta, que em países não industrializados os deslocamentos não absorvem mais de 3 a 8% do tempo social (que seguramente correspondem em média de duas a seis horas por semana).
Conclusão sugerida por Illich: uma pessoa a pé anda tantos quilômetros em uma hora destinada ao transporte quanto uma pessoa motorizada, mas dedica a seus deslocamentos um tempo de cinco a dez vezes menor. Moral: quanto mais uma sociedade difunde veículos rápidos, mais tempo – a partir de um determinado ponto – as pessoas gastarão e perderão se deslocando. É mera matemática.
- O usuário não pode captar a demência inerente ao sistema de circulação que se baseia principalmente no transporte. Sua percep¬ção da relação do espaço com o tempo foi objeto de uma distorção industrial. Ele perdeu o poder de se conceber como outra coisa que não seja usuário. Intoxicado pelo transporte, perdeu a consciência dos poderes físicos, sociais e psíquicos de que dispõe o ser humano, graças a seus pés. Esquece que é o homem que cria o território com seu corpo, e assume por território o que não é mais que uma paisa¬gem vista através de uma janela por um ser amarrado a seu banco. Já não sabe marcar a extensão de seus domínios com a pegada de seus passos, nem se encontrar com os vizinhos, caminhando na praça. Já não encontra o outro sem bater o carro, nem chega sem que um motor o arraste. Sua órbita pontual e diária o aliena de qualquer território livre.
Atravessando-o a pé, o ser humano transforma o espaço geográ¬fico em um lar dominado por ele. Certos limites de energia aplicados ao movimento determinam sua mobilidade e seu poder de domínio. A relação do usuário de transportes com o espaço é determinada por uma potência física alheia a seu ser biológico. O motor mediatiza sua relação com o meio ambiente e logo o aliena de tal maneira que passa a depender do motor para definir seu poder político. O usuário está condicionado a crer que o motor aumenta a capacidade dos membros de uma sociedade de participar do processo político. Ele perdeu a fé no poder político de caminhar.
Em suas reivindicações políticas o usuário não busca mais ca¬minhos abertos, mas sim veículos que o transportem. Quer mais do mesmo que agora o frustra, em vez de pedir garantia de que, em qualquer sentido, a prioridade seja sempre o pedestre. A libertação do usuário baseia-se na sua compreensão da realidade: enquanto exigir mais energia para impulsionar com mais aceleração alguns indivíduos da sociedade, ele precipita a corrupção irreversível da eqüidade, do tempo livre e da autonomia pessoal. O progresso com o qual sonha não é mais que a destruição mais bem executada.
- Para construir espaço para carros, as distancias foram multiplicadas: as pessoas vivem longe de seus trabalhos, longe da escola, do supermercado,... o que requer um segundo carro para que a “dona de casa” possa fazer as compras, levar os filhos à escola... A cidade, antigamente, era considerada o único lugar onde valia a pena viver mas hoje todos buscam morar distantes dela porque o carro a tornou inabitável (fedorenta, barulhenta, asfixiante, empoeirada, congestionada...).
- Em horários de pico, mais se parece uma procissão de para-choque a para-choque que vão a velocidade de um ciclista em uma nuvem densa de emanações de gasolina e chumbo. O carro se transformou no mais servil, incerto, imprevisível e incomodo de todos os veículos: mesmo se reservar bastante tempo você nunca sabe se os engarrafamentos o deixarão chegar la. Carros não possuem nenhuma das vantagens do trem e possui todas as desvantagens: vibração, fadiga muscular, perigo dos acidentes, esforço para dirigi-lo, etc.
Solução: cidades construídas em escala humana para fazer as pessoas se sentirem em casa nela, na sua comunidade, no seu bairro. Pessoas terem o prazer de andar a pé... essa cidade em escala humana, antes de tudo, deve ser habitável e não circulável. O bairro ou comunidade deve novamente transformar-se em um microssomo modelado por e para todas atividades humanas, onde pessoas possam trabalhar, viver, relaxar, aprender, se conhecer, se comunicar, discutir e gerir conjuntamente o meio social de sua vida em comum.
Essas cidades em escala humana seriam federações de comunidades (ou bairros) cercados por cinturões verdes onde cidadãos passariam horas cultivando alimentos frescos necessários a sua sobrevivência.
Para seus deslocamentos cotidianos disporão de uma gama completa de meios de transporte adaptados a uma cidade de tamanho médio: bicicletas munici¬pais, bondes ou ônibus elétricos e táxis elétricos sem motoristas. Para os deslocamentos mais importantes, por exemplo para ir ao campo, assim como para transporte de hóspedes, se disporá de um contingente de automóveis comunais que estariam repartidos pelas garagens dos diferentes bairros. O carro não seria mais uma necessidade. Tudo teria mudado: o mundo, a vida, as pessoas. E isso não virá por si só.
Entretanto, o que deve ser feito para se chegar lá? Sobretudo, nunca coloque isoladamente o problema do transporte. Conecte-o sempre ao problema da cidade, da divisão social do trabalho e à compartimentalização que ela introduz nas diversas dimensões da existência: um lugar para trabalhar, outro para “habitar”, um terceiro para se abastecer, um quarto para aprender, um quinto para se divertir. A maneira que o espaço é arranjado dá continuidade à desintegração das pessoas que começa com a divisão de trabalho na fábrica. Ela corta uma pessoa em rodelas, corta seu tempo, sua vida, em fatias bem separadas de modo que em cada uma você seja um consumidor passivo a mercê dos negociantes, de modo que nunca lhe ocorra que o trabalho, a cultura, a comunicação, o prazer, a satisfação das necessidades e a vida pessoal podem e deveriam ser uma e mesma coisa: a unidade de uma vida, susten¬tada pelo tecido social da comunidade.
- Cidades de auto estradas (cidades atualmente): estas ruas são feitas para se dirigir tão rapidamente quanto o possível do trabalho para casa e vice versa. São ruas para passar e não para estar. No fim do dia de trabalho todos devem permanecer em casa, e qualquer um encontrado na rua depois do anoitecer deve ser considerado suspeito de “fazer o mal”.
- Estradas: estão se tornando cada vez menos eficientes em termo de custo, e o custo do seu “aperfeiçoamento” esta crescendo. Assim que estradas novas são construídas e as antigas são expandidas, elas são saturadas, uma vez que o aumento de transporte rodoviário é dessa forma incentivado. O congestionamento, portanto, não é diminuído e a economia paga o custo dos engarrafamentos.
- Caros motoristas - O absurdo de tudo isso:
Estão por aí esses grandes pedaços de metal arremessando-se em alta velocidade sobre áreas residenciais. Eles são tamanha ameaça à vida e à saúde que cada viagem feita através de qualquer outro meio é gasta, sobretudo, se esquivando desses objetos monstruo¬sos. Eles são simplesmente a maior causa da poluição atmosférica e do aquecimento global. Formam também o maior mercado da indústria de petróleo, que fomenta tantas guerras. Seu barulho é o barulho da cidade. Esses carros são tão centrais à organização desta sociedade, especialmente à organização do trabalho, que uma ilusão tem de ser mantida de modo que ninguém veja nada de errado com o número sempre crescente de carros. Proteger-se deles tornou-se nossa responsabilidade como pedestres. Nós é que temos de parar, olhar e escutar. Segurança nas ruas é a primeirís¬sima coisa que é ensinada às crianças.
Presume-se que todos nós identificamos nossos próprios inte¬resses com aquele da economia, isto é, o crescimento econômico. Um dos indicadores principais do crescimento econômico é o crescimento da venda de carros. Os apresentadores de telejornais anunciam uma queda nas vendas de carros com o mesmo tom sóbrio de voz usado para apresentar estatísticas de desemprego ou ataques terroristas. Os anúncios, a mídia e o próprio traçado das nossas cidades, tudo afirma que aquilo que é conveniente para você motorista é conveniente para todos. E isso é apenas parte de um pressuposto maior, que consiste em achar que todos vivem em unidades familiares feitas sob a medida do carro e que todos querem chegar ao seu destino o mais rapidamente possível.
Na verdade, muitas pessoas vêem algo errado nisso tudo. Mas a maioria delas não é motorista. As pessoas que estão fora do difundido privilégio de possuir um carro geralmente estão fora do raro privilégio de possuir uma voz que seja ouvida. A maioria de nós resmunga melancolicamente sobre o assunto dentro de um ônibus ou balança os braços impotentemente em faixas de pedestres. Mas alguns vão mais longe...
- A necessidade de dirigir:
De certo modo, você foi forçado a dirigir. Muitos bairros de Los Angeles não têm nem sequer calçadas. Milton Keynes é um pouco melhor. A vida para muitas pessoas é impossível hoje sem um automóvel. Com o objetivo tanto de ganhar quanto de gastar dinheiro, o carro foi transformado numa necessidade. O que isso está fazendo com as pessoas? Propagandas dizem que dirigir é uma forma de liberdade, um tipo de poder. Os anúncios dizem a verdade e mentem ao mesmo tempo. Uma vez que os carros são caros e dizem respeito ao controle físico do espaço, tornaram-se símbolos de riqueza.
Considerando que a sexualidade masculina tem sido construída como mecânica e agressiva, e que o carro é um modelo em escala da família nuclear, os carros vieram a representar o poder mascu¬lino. Como motorista, você tem poder sobre os pedestres, sobre os passageiros e sobre o espaço urbano. Assim, o carro representa a própria realidade dele: o poder motorizado.
Porém o carro somente pode levá-lo onde ele já esteve. Dirigir é como fazer compras em um grande supermercado. Você está em uma pequena bolha, sozinho e sem responsabilidade para com ninguém. Você pode comprar (dirigir) qualquer produto (destino pré-fabricado) de que goste, mas pode somente escolher o que é oferecido. Você está isolado e ao mesmo tempo reincorporado a um grande esque¬ma de dominação. Sente-se privilegiado, mas está sendo usado. Os poderes estabelecidos preferem estradas às ruas porque uma estrada movimentada é nada mais que uma prisão com celas móveis. Um motorista pode deixar a estrada, mas não pode influenciar outros para que ajam da mesma forma. Seria como um cadáver começar uma insurreição em um cemitério. Um carro é um acidente procurando algum lugar para acontecer, e quanto mais pessoas têm carros, mais parecidos todos os lugares se tornam, assim menos significativa se torna sua “liberdade de movimento”.
Modelando o espaço no qual a atividade humana ocorre, a rede de estradas pré-molda nossos movimentos. Mesmo um “feriado” se torna nada mais que uma longa viagem, uma seqüência linear de experiências com nenhuma estrutura ligando-as além de “o que vem aí?”. E, por fim, a prescrição de experiências prescreve emoções. Você se sente impotente, uma vez que o seu poder para influenciar as imagens no pára-brisa durante seu caminho para o trabalho é tão nulo quanto para influenciar as imagens na tela da televisão da sua casa. O isolamento leva ao sentimento de solidão. A repetição infinita dos mesmos pequenos rituais, reforçada pela intratabilidade da geografia urbana, leva à sensação de tédio.
Podemos observar nosso tédio, do mesmo modo que podemos observar um estacionamento de carros, e nos sentirmos tão im¬potentes para acabar tanto com um como com o outro. O tédio é a conseqüência do estacionamento de carros e o estacionamento de carros é a reificação, a tradução no mundo material, do tédio. Esse tédio não é nada mais do que o tédio do próprio mercado. Ele ganha existência dentro de nossas pequenas bolhas. É um sofrimento secreto e solitário, tão escondido quanto o sofrimento das viúvas do automóvel, sonhando toda noite com seus maridos queimando sem socorro até a morte, amarrados a um assento plástico em uma estrada.
- Carros: são uma modalidade de transporte deficiente que não podem ir a lugar algum sem a existência das estradas, oficinas para os concertar, postos de gasolina para os reabastecer, escritórios de seguro, pontes... e, é claro, hospitais. São responsáveis por 90% das emissões de monóxido de carbono, libera chumbo e benzeno, também produz dióxido de carbono...

- Tudo de ruim que o mundo dos carros nos oferece: A extração de minérios na busca por matérias-primas esculpe grandes cicatrizes abertas na paisagem, muitas vezes despossando pedestres nativos de suas terras e de sua subsistência. Os minérios são processados em enormes indústrias. Os metais e os componentes são enviados ao redor do mundo em navios que vazam. Vidas são deformadas nas fábricas que montam componentes, em cultivos para extração de borracha, nas minas e refinarias, nas forjas e nas fundições mutilantes. E, em cada estágio, a poluição é jogada na atmosfera – destroços queimados de produtos industrializados são atirados em valas de concreto, pneus usados são arrastados para o mar, e baterias com vazamento de ádico são lançadas nos rios –, escoando para a hidrosfera e sendo enterrada na lama.
O auge de tudo isso: os carros necessitam de gasolina, que polui em seus pontos de produção e consumo e em cada ponto entre os dois – o navio-tanque, o abastecimento do posto e o motor de seu carro. As fumaças da queima da gasolina são a maior fonte artificial de carbono atmosférico do mundo. Os principais dissipa¬dores de carbono, que absorvem o carbono da atmosfera, são as florestas tropicais e o plâncton dos mares do sul. Infelizmente, as florestas tropicais estão sendo destruídas e o plâncton está sendo ameaçado pela diminuição do ozônio (um processo acelerado pela fumaça do carro). Mesmo sem essa destruição, os dissipadores se¬riam incapazes de lidar com o número atual de carros. O que está realmente em jogo aqui é a ecologia de toda a face da Terra.
ARTIGOS: “A importância do carro para economia moderna” (Aufheben) / “Acabem com todos os carros” (Mr. Social Control) / Procurar artigos do grupo Car Busters /
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Math 02/02/2010

Nosso cotidiano é composto de tantas e tão diversas coisas que se não pararmos para analisar detidamente podemos simplesmente não perceber o valor e a importância que nossa sociedade dá a coisas que provavelmente seriam melhor não terem sido criadas.
Livros radicais contra o status quo atual como este são essenciais para que possamos pensar um pouco no mundo em que vivemos ao invés de simplesmente aceitar as coisas como são.
Todos vivemos a realidade cercados por carros aonde quer que decidamos ir, porém quem questiona isso? Quem se coloca contra essa ditadura que nos impede de andar livremente nas ruas?
Este é um ponto importante, nenhum jornal, revista ou qualquer outro meio de comunicação de massa divulga as ações contra o automóvel como as bicicletadas de São Francisco, por exemplo, o que aumenta a importância deste livro como meio de difusão dessas idéias que não são divulgadas só porque não condizem com a condição de fetiche que a indústria automobilística criou para seu produto.
Finalizando, o livro é excelente pelo fato de inovar em um campo que é fechado para mudanças por sua posição privilegiada na economia mundial. O papel que o livro desempenha como divulgador dessas idéias é primordial para um pensamento mais crítico e, quem sabe, para uma futura mudança no setor de transportes, onde se privilegie as pessoas e não as máquinas.
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Rener 31/03/2011minha estante
Tô lendo ele. Eu já tinha uma visão esclarecida sobre os problemas da indústria automobilística, agora que tô lendo estou mais revoltado com o sistema capitalista. Acabem com todos os carros!




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